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LUTS: manejo do paciente com sintomas do trato urinário interior

O acrônimo LUTS (ou Low Urinary Tract Symptoms - Sintomas do Trato Urinário Inferior - STUI) foi introduzido para definir sintomas que podem ter origem na bexiga, próstata, uretra e/ou assoalho ou órgãos pélvicos. A unificação do termo objetiva a abordagem sindrômica (com base em sinais e sintomas, definir prováveis diagnósticos e instituir tratamento) do paciente, diferenciando a principal causa de STUI - Hiperplasia Prostática Benigna (HPB) - de outras etiologias. 

Clinicamente, a síndrome é caracterizada pela presença de sintomas que envolvem sintomas de armazenamento, miccionais e pós-miccionais. Além da HPB, condições que causam STUI são hiperatividade do músculo detrusor, prostatite, infecção do trato urinário, neoplasia de próstata e doenças neurológicas, sendo diferenciadas pela combinação e pelo curso de evolução dos sintomas. 

A prevalência aumenta à medida que a idade masculina avança, chegando a 30% dos homens com mais de 60 anos com algum sintoma do trato urinário inferior, com sintomas que tem como característica a progressão lenta com flutuação ao longo do tempo. Anualmente 1 a 2% dos pacientes com STUI terão retenção urinária aguda, a complicação mais prevalente.  

Manifestações clínicas 

Na anamnese, é importante a definição dos sintomas apresentados pelos pacientes, visando correção diagnóstica e melhora na qualidade de vida. Os sintomas são divididos em:  

Sintomas de armazenamento (ou irritativos) - Percebidos na fase em que a urina está armazenada na bexiga: 

  • Sintomas gerais 
    • Aumento da frequência urinária - pode ser diurna - polaciúria - ou noturna - noctúria 
    • Poliúria - aumento do volume urinário. Pode ser diurna (aumento do volume urinário produzido e excretado durante o dia) ou noturna. 
  • Sintomas sensitivos - sensação anormal percebida durante o enchimento vesical, podendo ser  
    • Plenitude vesical precoce 
    • Urgência - necessidade incontrolável de urinar  
    • Redução na sensação de enchimento vesical 
    • Ausência de percepção de enchimento vesical 
    • Alteração inespecífica do enchimento vesical - espasticidade, sintomas vegetativos (náusea, vômito, síncope) - com a bexiga cheia 
  • Sintomas de incontinência
     
    • Incontinência urinária de urgência 
    • Incontinência urinária de esforço - perda involuntária de urina em momentos de esforço físico (atividade física) ou aumento da pressão abdominal (ao tossir, espirrar, rir) 
    • Incontinência urinária mista - com sintomas em situação de urgência e esforço 
    • Outros: incontinência postural, enurese, incontinência orgásmica 

Bexiga hiperativa:
urgência urinária, em geral acompanhada por aumento da frequência urinária, com ou sem incontinência, na ausência de outros sintomas urinários e na ausência de infecção do trato urinário. Termo majoritariamente utilizado para definir sintomas urinários em mulheres.  

 

Sintomas de esvaziamento (ou obstrutivos) - percebidos durante a eliminação de urina: 

  • Hesitação - dificuldade de iniciar a micção - pode ocorrer em todos os momentos de diurese, apenas a noite, em público e pode ou não necessitar de força abdominal para o início da micção 
  • Jato urinário intermitente e/ou fraco 
  • Gotejamento terminal 
  • Jato urinário difuso  
  • Disúria  
  • Retenção urinária 
  • Outros sintomas podem ser: Hematúria, pneumatúria, fecalúria e quilúria  

Retenção Urinária Aguda (RUA): i
nício agudo, em geral doloroso, de sensação de bexiga cheia pela impossibilidade de urinar, apesar do esforço intenso. 

Retenção Urinária Crônica (RUC):
Episódios repetidos de impossibilidade de esvaziamento vesical, mesmo que exista eliminação de pequeno montante urinário. Pode resultar em aumento da frequência urinária ou em incontinência urinária e distensão vesical.  

Sintomas pós-miccionais - Percebidos após o encerramento da eliminação de urina: 

  • Esvaziamento vesical incompleto 
  • Necessidade de nova micção após a cessação do fluxo miccional 
  • Incontinência urinária pós-miccional 
  • Urgência miccional pós-micção 

Diagnóstico 

História e exame físico 

O diagnóstico etiológico dos sintomas urinários descritos acima em geral pode ser feito com base na anamnese e no exame físico. A anamnese deve conter:4 

  • Início e duração dos sintomas 
  • Severidade dos sintomas e impacto na qualidade de vida 
  • Tratamentos previamente realizados e resultados 
  • História médica pregressa 
  • Incluir história sexual - STUI podem ser fator de risco para disfunção erétil e alterações na ejaculação 
  • Avaliar possibilidade de intervenções cirúrgicas se necessário 
  • Medicações em uso - incluindo fitoterápicos e medicamentos não-prescritos:4 
  • Afetam a atividade vesical: inibidores da ECA, alfa-bloqueadores, beta-bloqueadores, anti-histamínicos, antidepressivos, antipsicóticos, anticolinérgicos, diuréticos, opióides e sedativos.5  

Exame físico deve ser direcionado para a presença de sinais de disfunção neurológica e de distensão vesical. O toque retal faz parte da análise, auxiliando no diagnóstico diferencial (pensar em prostatite se próstata dolorosa ao toque, neoplasia se alterações na consistência da próstata, alterações neurológicas se disfunção do tônus).4 

A presença de sintomas obstrutivos, irritativos e pós-miccionais - em combinação entre os três grupos ou a presença de sintomas de pelo menos dois dos três - em homens, sem sinais e sintomas sugestivos de outras patologias, com próstata aumentada ao toque (mais de 2 polpas digitais), indolor, macia e de contornos lisos leva ao diagnóstico provável de Hiperplasia Prostática Benigna (HPB). 

O uso de ferramentas validadas como o IPSS (International Prostate Symptom Score) pode auxiliar na quantificação do grau de severidade e de impacto dos sintomas na qualidade de vida do paciente, sendo utilizado também para monitorar e otimizar o tratamento sintomático e sendo importante a sua aplicação no momento do diagnóstico. 

Quando o curso de doença é mais arrastado, o diagnóstico pode ser feito apenas no momento das complicações, como episódios de RUA, hematúria, infecção urinária de repetição, perda de função renal.   

Diagnóstico diferencial  

Sintomas frequentemente atribuídos à HPB podem ser causadas por todas as condições abaixo, com seleção de exames complementares a ser norteada pela anamnese e pelo exame físico:  

  • Infecção urinária e cistite: sintomas agudos, principalmente irritativos, com ou sem disúria 
  • Câncer de próstata ou bexiga: tabagismo prévio, sintomas consumptivos, características do toque retal 
  • Litíase vesical: história prévia/familiar, sintomas mais agudos, dor em flancos/períneo 
  • Trauma: história de contusão aguda ou repetida 
  • Cistite intersticial: aumento na frequência urinária, urgência e dor pélvica 
  • Bexiga neurogênica: incontinência urinária, noctúria, dor suprapúbica, sintomas prolongados  
  • Prostatite ou abscesso prostático: dor à palpação, flutuação local, sintomas agudos  
  • Cistite por radiação: histórico de radioterapia local prévia 
  • Estenose uretral: sintomas obstrutivos progressivos, infecção urinária de repetição.  

 Exames complementares 

A solicitação de exames complementares não deve atrasar o início do tratamento, exceto se dúvida diagnóstica. Fazem parte da avaliação complementar: 

 

  • Exame Qualitativo de Urina (EQU):
    avaliar presença de sangue, leucócitos, proteína e glicose. Incluir Urocultura se suspeita de infecção; 
  • PSA:
    solicitar se decisão compartilhada de rastreamento de neoplasia prostática e/ou para auxílio na decisão terapêutica; 
  • Ecografia de próstata:
    auxiliar na mensuração do volume prostático, principalmente se sintomas pós-miccionais relevantes e episódios de retenção urinária aguda; 
  • Ecografia de vias urinárias:
    solicitar na presença de hematúria concomitante, história ou suspeita de litíase, pielonefrite prévia ou suspeita de hidronefrose;  
  • Creatinina, uréia e eletrólitos:
    solicitar apenas mediante suspeita de dano renal associado. 

Tratamento 

O tratamento para STUI causados por HPB deve ser guiado pelo grau de obstrução, pela presença ou ausência de complicações e pelo impacto na qualidade de vida. Opções terapêuticas incluem:  

  • Tratamento conservador / expectante: 
    • Candidatos: pacientes com sintomas leves ou moderados sem impacto na qualidade de vida e sem complicações 
    • Inclui: mudanças de estilo de vida (limitar ingesta hídrica a noite, redução de álcool, café e cigarros), tratamento de comorbidades como síndrome metabólica e realização de exercícios de treinamento vesical 
    • Periodicidade: anual 
  • Tratamento farmacológico:
     
    • Candidatos: pacientes com sintomas com impacto na qualidade de vida, moderados a severos, sem complicações prévias. 
    • Inclui:  
      • Alfa-bloqueadores:
        primeira linha de tratamento. Contraindicados para pacientes candidatos à cirurgia de catarata. Os principais representantes são doxazosina, tansulosina, terazosina, alfusozina, com eficácia semelhante e dose-dependente. Hipotensão postural, cefaleia e vertigem são paraefeitos frequentes. Não há vantagens na associação de dois alfa-bloqueadores. 
      • Revisão de dose: a cada 2 a 4 semanas 
      • Inibidores da 5-alfa-redutase
        : devem ser utilizados apenas em pacientes sintomáticos com próstata maior que 40mg e com PSA > 1,4 ng/mL. Pode ser usado em monoterapia em pacientes com efeitos colaterais intoleráveis aos alfa-bloqueadores. Exemplares são Dutasterida e Finasterida. Os principais paraefeitos são relacionados à disfunção sexual: impotência, redução da libido e disfunção ejaculatória, sendo reversíveis após a descontinuação do tratamento e uso em longo prazo. 
      • Revisão de dose: a cada 3 a 6 meses. 
      • Terapia combinada:
        pacientes sem contraindicações e com critérios para uso das medicações podem utilizar terapia combinada entre inibidores da 5-alfa-redutase e alfa-bloqueadores.  
  • Tratamento cirúrgico: 
    • Candidatos: pacientes com STUI moderados a severos com persistência de sintomas mesmo em farmacoterapia com doses otimizadas ou que tenham desenvolvido RUA ou outras complicações. 
    • Inclui: ressecção transuretral de próstata (RTUP), cirurgias minimamente invasivas e prostatectomia radical. A indicação deve ser avaliada com cautela, visto que podem acarretar morbidade importante (incontinência urinária e disfunção sexual) em até 18% dos pacientes.   
  • Referenciamento: 
    • Devem ser referenciados para urologista pacientes com STUI complicados por infecções urinárias recorrentes, RUA ou RUC, dano renal, suspeita de neoplasia urológica e pacientes sem melhora com primeira linha de tratamento farmacológico otimizado.