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Criança com síndrome de Down: diagnóstico e comorbidades relacionadas

Aspectos gerais da síndrome de Down

A Síndrome de Down (SD) é a anomalia cromossômica mais frequente nos seres humanos e a causa mais prevalente de deficiência intelectual. A incidência de nascidos vivos com SD é estimada em 1 a cada 650 a 1000 gestações. Na primeira metade do século XX, a expectativa de vida das pessoas com SD era até o início da adolescência e na sua maioria institucionalizadas. Devido aos avanços na área da saúde e as melhores condições de vida em geral, essa expectativa aumentou para 60 a 65 anos de idade, e quase todas as pessoas com SD vivem com suas famílias.  

O potencial para o desenvolvimento e a socialização das pessoas com SD tem sido cada vez mais reconhecido, e o apoio precoce às crianças afetadas e suas famílias é amplamente implementado, embora ainda exista disparidade no acesso a cuidados de saúde e outros recursos de apoio. Há uma variação fenotípica considerável entre os pacientes, e a deficiência intelectual é mais comumente moderada, mas varia de leve a grave, enquanto a função social é frequentemente alta em relação ao comprometimento cognitivo. Também há diferenças na incidência e apresentação da SD de acordo com a origem étnica e a região geográfica. 

Diagnóstico clínico

O diagnóstico clínico de SD baseia-se no reconhecimento de características físicas. A segurança do diagnóstico clínico aumenta quanto mais características específicas da SD forem identificadas na criança e descritas como sinais cardinais de Hall (Quadro 1), estabelecendo que 100% dos recém-nascidos com SD apresentam pelo menos quatro destes sinais e 89% terão seis destes sinais. 

   

O diagnóstico da SD é baseado no fenótipo e deve ser estabelecido logo após o nascimento. O conjunto dos sinais presentes no neonato, permite firmar o diagnóstico clínico em quase todos os casos. Quanto mais características específicas da SD forem identificadas, aumenta a segurança do diagnóstico clínico. Nas crianças com mosaicismo (46,XY/47,XY + 21 ou 46,XX/47,XX + 21), correspondentes a apenas 2% dos casos, o fenótipo pode ser atenuado, dificultando o reconhecimento ao nascimento. A dificuldade surge pela existência de alguns sinais do fenótipo SD, também presentes em neonatos sem a síndrome, estimado em 5% da população. Além disso, a presença de edema periorbital logo após o nascimento, pode dificultar a identificação dos sinais morfológicas da área ocular e outros sinais como hipotonia e reflexo de Moro diminuído, também são verificados em prematuros sem a SD devido à imaturidade neurológica. Os sinais fenotípicos da SD são descritos no quadro 2. 

Se após o exame físico e morfológico do recém-nascido houver dúvida quanto ao diagnóstico, o bebê deverá ser avaliado por outros colegas ou encaminhado ao especialista em Genética Clínica.  

Exames laboratoriais

O cariótipo não é obrigatório para o diagnóstico da SD, mas é fundamental para orientar o aconselhamento genético da família, pois ele identifica o mecanismo genético da síndrome – trissomia livre, mosaicismo ou translocação. Igualmente, o resultado do cariótipo (genótipo) não determina as características físicas (fenótipo) e o desenvolvimento da pessoa com SD. A constatação da trissomia não tem valor no prognóstico, nem determina o aspecto físico, clínico ou de capacidade intelectual.  

O fenótipo característico da SD normalmente é secundário à triplicata de uma região do cromossomo 21. Já se sabe até qual região do cromossomo 21 que, em trissomia parcial, é responsável pela manifestação da SD. Tal região é o segmento distal do braço longo desse cromossomo, mais precisamente a região q22.13. A realização do exame de cariótipo em sangue periférico é obrigatória para sua confirmação laboratorial, a fim de determinação do risco de recorrência na irmandade.  

Outros exames e avaliações devem ser feitos como forma de monitoramento de complicações e não para diagnóstico.  

Manejo clínico e prevenção de comorbidades

As particularidades da criança com síndrome de Down tornam necessária uma abordagem direcionada à complicações e comorbidades, com exames e consultas com especialistas regularmente. O comprometimento cognitivo é universal, porém variável, geralmente de grau leve a moderado (QI entre 35–70), sendo raro o comprometimento severo. O perfil cognitivo típico envolve maior dificuldade nas habilidades verbais em relação às não verbais, embora haja significativa variabilidade individual; alguns subgrupos podem apresentar desempenho verbal superior ao não verbal, ou equilíbrio entre ambos. O desenvolvimento da linguagem é atrasado, com maior prejuízo na expressão do que na compreensão, e o desenvolvimento motor também é mais lento. 

 Além disso, existem outras complicações e comorbidades que atingem os diversos sistemas e devem ser revistas cuidadosamente:  

  • Cardiopatias congênitas
    : Cerca de 50% das crianças com síndrome de Down apresentam cardiopatias congênitas, o que torna necessária a realização de ecocardiograma neonatal e acompanhamento cardiológico regular. O reparo precoce de defeitos cardíacos e a vigilância para hipertensão pulmonar ao longo da infância ajudam a diagnosticar alterações de forma precoce e a prevenir insuficiência cardíaca e doença vascular pulmonar irreversível 
  • Disfunção tireoidiana:
     a disfunção tireoidiana, especialmente hipotireoidismo congênito e adquirido, ocorre em até 18% das crianças com síndrome de Down. É recomendado rastreamento laboratorial anual desde o nascimento, pois o tratamento adequado e precoce reduz o risco de complicações cardíacas, alterações do crescimento, distúrbios gastrointestinais e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. 
  • Monitoramento auditivo e visual:
     deficiências auditivas e visuais são frequentes e podem impactar o desenvolvimento global. Também é recomendada a triagem anual da audição e visão, com intervenções precoces quando necessário. 
  • Infecções e doenças autoimunes:
     alterações imunológicas aumentam o risco de infecções respiratórias e doenças autoimunes, como doença celíaca, diabetes tipo 1 e distúrbios tireoidianos. Estratégias de prevenção incluem imunizações completas de acordo com quadro clínico, vigilância clínica para sinais de infecção, triagem periódica para doenças autoimunes e, em casos selecionados, intervenções como antibióticos profiláticos ou reposição de imunoglobulina.  
  • Avaliação hematológica: 
    crianças com síndrome de Down apresentam maior risco de distúrbios hematológicos, incluindo leucemia e trombocitopenia. Recomenda-se hemograma completo na avaliação inicial e monitoramento conforme achados clínicos. 
  • Triagem para instabilidade atlantoaxial e avaliação ortopédica: 
    a instabilidade cervical pode predispor a lesões medulares, especialmente em situações de anestesia ou trauma. A avaliação clínica e radiológica deve ser considerada em crianças sintomáticas ou antes de procedimentos cirúrgicos. 
  • Prevenção da obesidade:
     o risco de obesidade é elevado devido a fatores metabólicos e comportamentais. A literatura recomenda monitoramento anual do IMC, orientação nutricional, incentivo à atividade física e controle de porções alimentares. 
  • Intervenção precoce e suporte ao desenvolvimento neuropsicomotor: p
    rogramas de intervenção precoce com terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia e apoio psicológico são fundamentais para otimizar o desenvolvimento cognitivo, motor e social. O envolvimento familiar e a inclusão escolar em ambiente adequado são recomendados. 
  • Avaliação pré-operatória rigorosa:
     antes de procedimentos cirúrgicos, é necessário avaliação cardiológica, hematológica e da estabilidade cervical, além de considerar peculiaridades anatômicas e fisiológicas que aumentam o risco anestésico.   

Vacinação e medidas preventivas recomendadas

Em geral, as imunizações, incluindo a vacina contra a gripe (influenza) e outras vacinas recomendadas para todas as crianças, devem ser administradas, a menos que haja contraindicações específicas como imunossupressões que poderiam contraindicar vacinas de vírus vivos. 

Recomenda-se o uso do anticorpo monoclonal contra o VSR (Palivizumabe) para cardiopatas com repercussão hemodinâmica, nos dois primeiros anos de vida ou crianças com problemas de depuração das vias aéreas ou prematuridade (nascidos com menos de 29 semanas e 0 dias de gestação). 

A vacina contra influenza deve ser administrada anualmente e crianças com doença cardíaca ou pulmonar crônica devem receber a vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente a partir dos 2 anos de idade. 

Estratégias de promoção do desenvolvimento cognitivo e social

A qualidade do desenvolvimento, incluindo as competências sociais e cognitivas, depende diretamente da qualidade de vida da família, das experiências da criança em diferentes espaços (incluindo escolas de qualidade), e da prevenção em saúde. 

A intervenção precoce de longo prazo inclui fisioterapia motora, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia. Ela é fundamental para minimizar a defasagem no desenvolvimento neuropsicomotor, deve ter início assim que a criança estiver em boas condições de saúde e os objetivos são de auxiliar na aquisição dos marcos motores, psicológicos e socioafetivos. 

O cuidado com a saúde é singularizado por ciclo vital, visando a manutenção da saúde para o desenvolvimento das potencialidades da pessoa para qualidade de vida, inserção social e econômica. 

Na infância, ou seja, dos 2 aos 10 anos o foco é o desenvolvimento da autonomia para as atividades de vida diária (AVDs), como higiene pessoal, banho, vestir-se, comer e treinamento de toalete; desenvolvimento de atividades instrumentais da vida cotidiana (AIVCs), como uso de medicamentos, compras, dinheiro, telefone e transporte público. Deve ser dada ênfase em autocuidado, socialização, aquisição de habilidades sociais e escolaridade com orientação quanto à prevenção de abusos físicos e sexuais. 

Já para crianças maiores e adolescentes, o foco se mantém na manutenção de um estilo de vida saudável, crescimento, e desenvolvimento da autonomia para AVDs e AIVCs. Deve ser mantido o acompanhamento da socialização, escolaridade e orientação vocacional, bem como a orientação sobre sexualidade, prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. O aconselhamento deve incluir discussões sobre a transição para a vida adulta, incluindo objetivos educacionais, trabalho, independência, planejamento financeiro de longo prazo e tutela ou tomada de decisão apoiada. Com isso, será mais possível que a criança com SD chegue à vida adulta e velhice de forma autônoma e com bom controle de comorbidades físicas, emocionais e sociais.  

Conclusão

A síndrome de Down (SD), ou trissomia do cromossomo 21, é caracterizada por um conjunto de achados fenotípicos, cognitivos e clínicos que, embora variem entre os indivíduos, apresentam padrões bem estabelecidos na literatura médica. A SD está associada a uma alta prevalência de comorbidades, incluindo cardiopatias congênitas (presente em cerca de 40–50% dos casos), distúrbios gastrointestinais (como atresia duodenal), hipotireoidismo, apneia obstrutiva do sono, perda auditiva, alterações oftalmológicas e maior risco de leucemia. O acompanhamento multidisciplinar é fundamental, com recomendações específicas para rastreamento e intervenção precoce em áreas como audição, visão, função tireoidiana, desenvolvimento motor e linguagem. 

Perguntas Frequentes