O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed
  • Home
  • Conteúdos
  • Tuberculose pulmonar infantil: como realizar o tratamento?

Tuberculose pulmonar infantil: como realizar o tratamento?

Características da tuberculose em crianças
 

O tratamento da tuberculose em crianças deve ser iniciado assim que houver suspeita clínica fundamentada, especialmente em crianças pequenas (<5 anos), imunocomprometidas ou gravemente doentes, mesmo antes da confirmação bacteriológica, devido ao risco elevado de disseminação e morbidade nessa faixa etária. A decisão de iniciar o tratamento não deve ser adiada pela ausência de confirmação microbiológica, pois a confirmação em crianças é frequentemente difícil de obter.  

A tuberculose pulmonar na criança apresenta especificidades que devem ser consideradas. A forma pulmonar difere do adulto, pois costuma ser abacilífera, isto é, negativa ao exame bacteriológico, pelo reduzido número de bacilos nas lesões e ainda que haja bacilos, as crianças, em geral, não são capazes de expectorar de forma efetiva. Os sintomas nas crianças geralmente são inespecíficos e se confundem com infecções próprias da infância, o que dificulta a avaliação.  

Abaixo imagens esquematizando a progressão da doença:

Ao término da infância e no início da adolescência (≥ 10 anos de idade), aparecem formas sintomáticas semelhantes às encontradas em adultos. Os pacientes quase sempre têm sintomas respiratórios e são mais frequentemente positivos à baciloscopia. Nessa faixa de idade, é fácil realizar o exame de escarro e o diagnóstico pode ser comprovado pelos métodos bacteriológicos convencionais (baciloscopia e cultura). 

Antes de iniciar o tratamento para Infecção Latente pelo
M. tuberculosis
(ILTB), é fundamental excluir a TB ativa por meio de anamnese, exame clínico e radiografia de tórax.  

Diagnóstico
 

Na suspeita de tuberculose deve-se procurar a tríade clássica: redução do apetite, perda de peso e tosse crônica. O diagnóstico da TB pulmonar na infância é baseado em uma combinação de critérios clínicos, epidemiológicos, associados a teste imunológico não específico de infecção tuberculosa e à radiografia de tórax. Não existe padrão ouro para seu diagnóstico, nem um algoritmo diagnóstico universal. 

O exame radiográfico do tórax deve ser solicitado precocemente em todas as crianças com suspeita de TB e é de fundamental importância no diagnóstico da doença. Pode estar alterado antes mesmo do aparecimento dos sintomas clínicos, apesar da sua normalidade não excluir o diagnóstico. É útil também no seguimento terapêutico e na avaliação de complicações. Entretanto, a interpretação dos seus achados depende da habilidade do examinador e os achados em crianças imunossuprimidas podem ser ainda mais atípicos.  

Considerando essas especificidades, o MS recomenda que o diagnóstico de tuberculose pulmonar em crianças e em adolescentes (negativos à baciloscopia ou TRM-TB não detectado) seja realizado com base no sistema de pontuação ou escore, validado em nosso meio (Quadro 1). Esse sistema valoriza dados clínicos, radiológicos e epidemiológicos e não envolve a confirmação bacteriológica, sabidamente difícil na infância. A utilização do escore propicia diagnóstico e intervenção terapêutica precoces mesmo em unidades básicas de saúde, sem a necessidade de exames complementares mais sofisticados e/ou profissionais especializados. A interpretação desse escore guia o início do tratamento 

Quadro 1 - Diagnóstico da tuberculose pulmonar em crianças e adolescentes com baciloscopia negativa ou TRM-TB não detectado 

  1. Na impossibilidade de realizar a prova tuberculínica, recomenda-se empregar o sistema de pontuação e, caso este não permita o diagnóstico da tuberculose pulmonar, o caso deve ser individualizado e, se oportuno, enviado a serviço de referência.  
  2. Crianças com suspeita de tuberculose, muitas vezes, após reavaliações, repetição dos exames e terapêuticas empíricas para germes comuns ou quadros alérgicos, se investigados por pediatras ou médicos treinados em unidades de referência, podem ter tal diagnóstico afastado. 

Para recém-nascidos expostos a casos de TB pulmonar ou laríngea, recomenda-se a prevenção da infecção pelo
M. tuberculosis
com isoniazida (H) ou rifampicina (R), avaliando a necessidade de continuidade com a Prova Tuberculínica (PT) após um período inicial, e descartando sempre a tuberculose ativa no recém-nascido antes de iniciar a quimioprofilaxia primária 

Esquema terapêutico atual
 

O esquema de tratamento da tuberculose é padronizado, deve ser realizado de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde e compreende duas fases: a intensiva (ou de ataque), e a de manutenção. A fase intensiva tem o objetivo de reduzir rapidamente a população bacilar e a eliminação dos bacilos com resistência natural a algum medicamento. Para isso é utilizada a associação de medicamentos com alto poder bactericida que leva a uma redução rápida da população bacilar e a diminuição da contagiosidade. A fase de manutenção tem o objetivo de eliminar os bacilos latentes ou persistentes e a redução da possibilidade de recidiva da doença. Nessa fase, são associados dois medicamentos com maior poder bactericida e esterilizante, ou seja, com boa atuação em todas as populações bacilares. O esquema básico em crianças (< de 10 anos de idade) é composto por três fármacos na fase intensiva (RHZ), e dois na fase de manutenção (RH), com apresentações farmacológicas individualizadas (comprimidos e/ou suspensão).  

Quadro 2 - Esquema Básico para o tratamento da TB em crianças (< 10 anos de idade)

Quadro 3 - Esquema Básico para o tratamento da TB em adultos e adolescentes (≥ 10 anos de idade)

Esses esquemas devem ser utilizados em casos novos e de retratamento (recidiva e reingresso após abandono) que apresentem doença ativa em crianças (< 10 anos de idade), de todas as formas de tuberculose pulmonar e extrapulmonar, exceto as formas meningoencefálica e osteoarticular que possuem tempos diferenciados de tratamento   

Particularidades do tratamento em crianças
 

As doses dos medicamentos devem ser ajustadas para o peso corporal, e há diferenças farmacocinéticas relevantes em crianças, exigindo atenção especial à seleção e ajuste das doses. A falta de formulações pediátricas apropriadas historicamente levou ao uso de preparações improvisadas (comprimidos triturados, cápsulas abertas), mas atualmente existem formulações dispersíveis recomendadas pela OMS, embora a disponibilidade comercial ainda seja limitada em alguns locais. 

O monitoramento da resposta ao tratamento é dificultado pela baixa positividade de exames microbiológicos. O acompanhamento clínico e radiológico, com atenção ao crescimento e desenvolvimento da criança, é um importante dado no acompanhamento. A adesão pode ser comprometida pela ausência de sintomas evidentes e pela dificuldade de administração dos medicamentos, sendo preferível o uso de formulações palatáveis e esquemas curtos quando possível. 

Crianças com infecção latente têm risco elevado de progressão para doença ativa, especialmente menores de 2 anos e imunocomprometidos. Todas devem receber tratamento para infecção latente, com esquemas seguros e de fácil administração. 

Crianças pequenas apresentam maior risco de formas graves e disseminadas, exigindo vigilância rigorosa e início precoce do tratamento. A suplementação com piridoxina é indicada em crianças com deficiência nutricional, HIV sintomático ou em lactentes de mães em uso de isoniazida. 

 

Monitoramento e acompanhamento clínico
 

O seguimento do tratamento em crianças e adolescentes, assim como em adultos, inclui avaliação clínica e exames complementares. O acompanhamento clínico deverá ser mensal. A criança responde clinicamente em cerca de uma semana, com melhora da febre. Na consulta de primeiro mês de tratamento, nota-se o ganho de peso e a melhora da tosse nos casos pulmonares. As doses do esquema terapêutico deverão ser ajustadas a cada ganho de peso da criança, raramente crianças apresentam efeitos adversos ao tratamento, os exames bioquímicos não são recomendados de rotina, a não ser a partir de avaliação individual, a critério clínico. Os sinais precoces de toxicidade ao etambutol podem ser investigados em adolescentes testando-se a discriminação de cores, quando pertinente. A família deve ser informada sobre os efeitos adversos do tratamento e orientada sobre o retorno nesses casos. 

Nas crianças com escarro e que apresentem facilidade de coleta, o acompanhamento bacteriológico deve ser mensal, semelhante ao dos adultos. Quando se identificar o adulto bacilífero no ambiente domiciliar, o adulto também deverá ser acompanhado, no sentido de monitorar a fonte de infecção. 

O controle radiológico de tórax deve ser realizado no segundo mês de tratamento, quando a evolução estiver sendo favorável, para confirmar a melhora com diminuição dos achados anteriores; ou com um mês de tratamento para afastar outras doenças, caso a evolução não seja favorável. A radiografia de controle deverá ser feita ao término do tratamento ou, quando da solicitação do médico assistente, a qualquer tempo. 

É importante conversar como cuidador ou responsável sobre a testagem do HIV na criança. Recomenda-se que pelo menos um exame diagnóstico para o HIV seja realizado durante o tratamento da TB. 

Considerações finais
 

Na abordagem terapêutica de crianças e adolescentes, a adesão deve ser centrada em toda a família, pois em muitos casos há mais de um indivíduo doente em casa: a criança e o adulto que lhe transmitiu a doença. Deve-se analisar criteriosamente e atuar sobre os fatores de risco para o seguimento do tratamento, tais como casos de crianças menores de 1 ano, história prévia de abandono, cuidador ausente ou usuário de drogas ilícitas. É preciso também ofertar o tratamento diretamente observado (TODO) para crianças e adolescentes, qualquer que seja a forma clínica da TB. No controle bacteriológico, ressalta-se que raramente a baciloscopia é o exame que confirma o diagnóstico de tuberculose na criança, portanto a melhora clínica e radiológica passa a ser o principal critério que corrobora para avaliação de cura.  A notificação e o uso adequado dos sistemas de notificação são essenciais para o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), pois permite conhecer a magnitude e a distribuição da doença, monitorar as ações de controle e, assim, reduzir a morbimortalidade por TB no Brasil.