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Ansiedade infantil: como o pediatra deve conduzir?

Prevalência e fatores de risco

A prevalência de ansiedade e depressão na população pediátrica aumentou na última década, tanto nos EUA quanto globalmente. De forma geral, cerca de 5% a 7% das crianças e adolescentes em populações ocidentais cumprem critérios para um transtorno de ansiedade durante um certo período. Nos Estados Unidos, a prevalência estimada ao longo da vida é de aproximadamente 20% a 30%. A ansiedade é uma das perturbações de aparecimento mais precoce, iniciando-se maioritariamente entre a metade da infância e a adolescência e os sintomas podem levar a dificuldades no desempenho escolar, vida familiar e atividades de lazer, com repercussões na vida adulta.

Os fatores de risco para ansiedade são diversos, podendo ser genéticos-hereditários, biológicos, temperamentais, ambientais, relacionados a eventos estressores da vida cotidiana e a modelos de parentalidade. O convívio em ambientes familiares perturbados, o abuso sexual, físico e violência familiar podem aumentar a ansiedade nas crianças. O uso de redes sociais e o engajamento com conteúdo online podem impactar os sintomas de ansiedade, impulsionados pelo medo de perder coisas (Fear Of Missing Out - FOMO) e pela busca de validação, podendo levar a aumentos na ansiedade geral (mais comum em meninos) e ansiedade relacionada à imagem corporal (mais comum em meninas).

Reconhecendo a ansiedade no contexto pediátrico

Para reconhecer a ansiedade em crianças é necessário atentar a manifestações comportamentais, emocionais e físicas que podem variar conforme a faixa etária e o contexto social e de vida do paciente. Uma das marcas centrais das perturbações de ansiedade é o evitamento, ou seja, o ato de evitar claramente determinadas situações, locais ou estímulos, ou ainda de forma sutil com hesitação, incerteza, retração ou ações ritualizadas.

Além das alterações comportamentais, crianças ansiosas frequentemente reportam uma variedade de queixas físicas que refletem um aumento da ativação neuronal, podendo apresentar cefaleias (dor de cabeça), dor de barriga, náuseas, vómitos, diarreia e tensão muscular. Dificuldades no sono também são comuns, especialmente em crianças que se preocupam muito.

Quanto mais velha é criança, maior é chance de que apresente sintomas similares aos sintomas relatados por adultos com ansiedade, podendo incluir sudorese, palpitações, tremores, inquietação, além dos sintomas comportamentais como irritabilidade, agitação, birras, evitação de situações sociais, apego excessivo aos cuidadores, dificuldade de concentração e alterações no padrão de sono ou alimentação.

A ansiedade surge da expectativa de que algo negativo ou perigoso pode acontecer, e entender essa expectativa como fator desencadeante do evitamento é importante. Por exemplo, uma criança que evita a escola por medo de ser ridicularizada por colegas (percepção de ameaça) difere de uma que evita por preferir ir às compras com amigos (não motivado por ameaça).

Existem diferentes classificações da ansiedade, mas em todas elas há a antecipação de ameaça, que se pode manifestar através de preocupação, ruminação, antecipação ansiosa ou pensamentos negativos. O conteúdo dessas crenças varia entre os diferentes tipos de ansiedade. A criança pode sentir medo, angústia ou vergonha em falar sobre essa percepção de risco e tende a interpretar situações ambíguas como situações ameaçadoras.

Avaliação inicial

A anamnese deve explorar o início, duração e impacto dos sintomas ansiosos no cotidiano da criança e da família, além de investigar fatores de risco, como histórico familiar de transtornos psiquiátricos, estressores psicossociais recentes (problemas escolares, conflitos familiares, bullying) e possíveis reforçadores ambientais para a ansiedade. É fundamental diferenciar sintomas ansiosos patológicos de medos e comportamentos normais para a faixa etária, considerando os aspectos principais descritos na sintomatologia, sobretudo o evitamento, o motivo que o causa e outros possíveis sintomas associados.

Durante a anamnese devem ser envolvidos os cuidadores e as crianças com a utilização de abordagem e linguagem compatíveis com o desenvolvimento e, se necessário, com utilização de recursos como escalas validadas para triagem, por exemplo, o SCARED (Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders) ou o Multidimensional Anxiety Scale for Children, que possuem versões para pais e crianças e são recomendados para identificar sintomas e monitorar evolução.

A Escala de Triagem para Transtornos Emocionais Relacionados à Ansiedade Infantil (SCARED; para uso em pacientes com oito anos ou mais) e a Escala de Ansiedade Infantil de Spence (SCAS; para uso em pacientes de seis a sete anos de idade) estão disponíveis gratuitamente online. Para pacientes mais jovens (ou seja, de 30 meses a 6,5 anos de idade), os médicos podem usar a Escala de Ansiedade Pré-escolar (PAS) relatada pelos pais, que foi adaptada da SCAS. A escala SCARED pode ser encontrada em https://thereachinstitute.org/reach-and-adaa-anxiety-in-children-and-teens/scared-child-version/, constitui em 41 perguntas e um escore total igual ou acima de 25 pontos pode indicar a presença de um Transtorno de Ansiedade. Pontuações superiores a 30 podem sugerir tipos específicos de ansiedade.

No exame do estado mental, podem ser observados postura retraída, pouco contato visual, fala pressionada ou empobrecida, pensamentos perseverantes ou ruminativos, e conteúdo de preocupação ou medo. O exame físico deve se concentrar em descartar condições médicas que apresentam sintomas semelhantes à ansiedade. Isso inclui os sistemas cardiopulmonar, abdominal e nervoso e pode incluir exames específicos da cabeça e pescoço e dos sistemas musculoesquelético e tegumentar.

Exames laboratoriais, como testes da função tireoidiana para hipertireoidismo, exames de imagem e outros exames diagnósticos raramente são necessários, mas podem ser indicados para descartar um diagnóstico diferencial específico sugerido pela história e pelo exame físico.

Quando encaminhar para especialista?

O encaminhamento para um especialista é indicado quando a suspeita de ansiedade é levantada e exige uma avaliação diagnóstica mais aprofundada, quando os sintomas são severos ou de alto risco, quando as intervenções de baixa intensidade não são adequadas ou eficazes, ou quando há necessidade de terapias psicológicas especializadas (como a TCC) ou a consideração de tratamento farmacológico.

Embora o pediatra geral possa suspeitar de ansiedade, a avaliação clínica completa geralmente inclui uma combinação de questionários e entrevistas diagnósticas estruturadas, que são ferramentas desenvolvidas para e mais bem utilizadas por especialistas em saúde mental. Distinguir entre perturbações de ansiedade específicas pode ser difícil e requer experiência clínica e tempo de investigação para determinar a motivação subjacente a um comportamento.

Tratamento

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é o tratamento psicológico de primeira linha com o maior suporte empírico para a ansiedade infantil. A TCC foca em ensinar à criança (e por vezes aos pais) competências específicas para gerir a ansiedade. As intervenções são adaptadas para ilustrar as conexões entre preocupações, pensamentos e comportamentos.

Os programas de TCC duram tipicamente 8 a 15 semanas, com sessões de 1 a 2 horas, podendo ser individualizadas ou em grupo. Estudos indicam que 50% a 60% das crianças são assintomáticas no final do tratamento, número que aumenta para 70% a 80% até 12 meses depois. A manutenção dos ganhos pode durar até 6-8 anos. Para sintomas leves a moderados, a TCC é o tratamento de primeira linha. Existem programas eficazes que requerem menos recursos terapêuticos, utilizando materiais escritos ou internet, muitas vezes com algum suporte de um terapeuta.

Quando os sintomas são moderados a graves, ou quando a criança não consegue participar ou não responde à psicoterapia, a farmacoterapia pode ser considerada.

ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina): São considerados medicamentos de primeira linha para transtornos de ansiedade. Vários estudos demonstram eficácia significativa de ISRSs como a fluoxetina, sertralina e escitalopram. É descrito que os eventos adversos geralmente são bem tolerados, sendo os principais: boca seca, náuseas, diarreia, dor de cabeça, insónia/sonolência, tremores, entre outros. Importante destacar que todos os ISRSs têm um aviso sobre o risco aumentado de pensamentos e comportamentos suicidas em crianças e adolescentes até 24 anos, assim é necessária monitorização cuidadosa ao prescrevê-lo, especialmente nos primeiros meses e após ajustes de dose. A AACAP (American Academy of Child and Adolescent Psychiatry) recomenda ISRSs para pacientes de 6 a 18 anos com ansiedade social, ansiedade generalizada, ansiedade de separação ou transtorno do pânico. O FDA não aprovou medicação para menores de 6 anos para transtornos de ansiedade.

IRSNs (Inibidores de Recaptação de Serotonina e Noradrenalina): Também têm demonstrado eficácia e são considerados como uma opção adicional de tratamento. A duloxetina é o único IRSN aprovado pelo FDA para transtorno de ansiedade generalizada em crianças de 7 anos ou mais. A venlafaxina também demonstrou ser eficaz e bem tolerada. Tem eventos adversos similares aos ISRS, mas a venlafaxina em doses elevadas

pode aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca. Também há um aviso de caixa para o risco de suicídio.

Antidepressivos Tricíclicos: Foram a primeira abordagem medicamentosa, mas atualmente não são a primeira linha devido aos seus numerosos efeitos colaterais e à disponibilidade de opções mais seguras, sendo reservados para casos intensos e/ou refratários. Têm como principais eventos adversos: visão turva, boca seca, retenção urinária, taquicardia, hipotensão ortostática, sedação significativa e arritmias em caso de sobredose.

Benzodiazepínicos: São utilizados para o tratamento agudo e de curta duração de crises de ansiedade e casos graves de ansiedade refratários a outros medicamentos. Não são recomendados como tratamento de primeira linha ou a longo prazo. Podem causar sedação, perda de memória leve, diminuição do estado de alerta e tempo de reação retardado, o que pode ser prejudicial em idade escolar. Podem causar efeitos paradoxais como aumento da ansiedade ou crises de pânico. Há risco de dependência e automedicação em adolescentes.

Considerações finais

O diagnóstico preciso e uma formulação clínica aprofundada feito por um profissional com experiência são a base de um plano de tratamento eficaz e o envolvimento parental é fundamental, assim as preferências devem ser consideradas para aumentar a adesão.

A idade é um fator importante a se considerar no diagnóstico e no tratamento. Quando os transtornos de ansiedade são associados com outras condições (depressão, TDAH, etc.), pode ser necessário um plano de tratamento multifacetado em que possa haver colaboração entre clínicos de atenção primária e subespecialistas. É recomendada a monitorização regular dos sintomas e dos efeitos secundários em caso de prescrição de medicamentos, incluindo a suicidalidade.

A AACAP sugere que o tratamento combinado (TCC e um ISRS) pode ser oferecido preferencialmente sobre a TCC isolada ou o ISRS isolado para pacientes de 6 a 18 anos. Essa abordagem é especialmente recomendada para casos de necessidade de redução aguda de sintomas em transtornos graves e funcionalmente incapacitantes, ou quando há resposta parcial à monoterapia. A combinação de TCC e sertralina mostrou-se mais eficaz do que qualquer tratamento isolado.