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Dispneia aguda: um guia para avaliação diagnóstica

Dispneia é definida pela
American Thoracic Society
como uma “experiência
subjetiva
de
desconforto respiratório
, composta por sensações qualitativamente distintas que variam em intensidade”. Clinicamente, considera-se dispneia aguda aquela que se instala em horas a poucos dias.  

A análise da linguagem utilizada pelos pacientes para descrever a dispneia revela que esse não é um sintoma único, mas sim um grande grupo de sensações – como fome de ar, sensação de esforço respiratório, aperto torácico. Esses descritores não apenas ajudam a qualificar a queixa, mas podem oferecer pistas valiosas sobre a causa subjacente.   

Dispneia é uma das principais causas de atendimento em emergência – perfaz aproximadamente 3% de todos os atendimentos. Também é uma demanda bastante comum em pacientes hospitalizados com intercorrências. Apesar desta elevada prevalência, é curioso perceber que não existe uma abordagem única ou diretriz bem sedimentada para investigação diagnóstica de pessoas com este sintoma. Por exemplo, a última diretriz da
American Thoracic Society
data de 1998 e aborda dispneia aguda e crônica conjuntamente. Nesta postagem veremos como abordar pacientes com esta queixa aguda.   

Causas de dispneia aguda
 

Um das formas mais diretas e iniciais de realizar o diagnóstico da causa de um sintoma é revisar as doenças subjacentes mais associadas com ele. Neste raciocínio, também devem entrar causas que ameaçam a vida, mesmo que infrequentes. Assim, na
Tabela 1
apresentamos causas de dispneia aguda, em especial em atendimentos em emergência. É muito importante destacar que esta não é uma lista “exaustiva” e vários outros motivos para dispneia podem ocorrer.  

Tabela 1.
Causas selecionadas de dispneia aguda. Adaptado das referência 3 e 4. 

* Essas condições não causam dispneia aguda diretamente, mas podem exacerbar os sintomas ou contribuir para causas subjacentes. 

Avaliação clínica
 

Abordagem inicial e exame clínico
 

O primeiro passo na avaliação de pacientes com dispneia é a identificação de sinais de gravidade e o principal recurso para isso é a inspeção – ainda que seja um recurso extremamente simples. Quando há indícios de falência respiratória iminente, o manejo da insuficiência respiratória aguda deve ser priorizado, deixando a investigação etiológica para um segundo momento, após estabilização do paciente. Logo nos primeiros instantes do atendimento,
o médico deve estar atento a sinais de parada respiratória iminente
, como: 

  • Rebaixamento do nível de consciência
    , associado a hipóxia ou hipercapnia graves; 
  • Sinais de
    incapacidade de manter o esforço ventilatório
    , como bradipneia, movimento inspiratório ineficaz ou respiração agônica; 
  • Cianose
    – ainda que pouco comum, sua presença indica hipóxia grave (ou raramente meta-hemoglobinemia).  

Além destes achados mais marcados e de maior risco, existem outros sinais de gravidade que devem chamar atenção do profissional, como: 

  • Uso de musculatura acessória e retrações supraesternal, intercostal e subcostal, caracterizando obstrução de vias aéreas e fadiga muscular; 
  • Fala entrecortada, com incapacidade de completar frases ou contar até dez em uma única inspiração; 
  • Taquipneia. Frequência respiratória acima de 25 movimentos por minuto indica quadros mais graves. Esta deve ser aferida ao longo de 1 minuto para evitar falsos negativos. 
  • A avaliação da frequência respiratória é especialmente importante em pacientes com hipoxemia e pouca ou nenhuma dispneia – situação chamada de hipoxemia silenciosa. Esta situação ficou especialmente conhecida na pandemia de COVID-19 e os pacientes podem estar em falência respiratória iminente e, ainda assim, estarem com poucos sintomas.  
  • Sudorese intensa, reflexo de hiperatividade simpática, como ocorre em infarto agudo do miocárdio ou exacerbação grave de asma; 
  • Presença de estridor ou sibilância audível, indicativa de obstrução de vias aéreas superiores ou broncoespasmo grave; 
  • Pele acinzentada ou arroxeada, sugerindo má perfusão ou cianose; 
  • Agitação, sonolência, lentificação, frequentemente associadas à hipóxia ou retenção de CO₂ – sendo que pacientes com hipercapnia podem aparentar calma ou indiferença, apesar da gravidade do quadro.  

Além da de gravidade descrita acima, uma grande quantidade de achados da história e do exame físico pode ser útil para indicar a causa da dispneia. A
Tabela 2
lista achados da história e do exame clínico que devem ser investigados e que sugerem causas específicas para o quadro. Por exemplo, crepitantes finos nas bases e turgência jugular sugerem fortemente a possibilidade de insuficiência cardíaca, enquanto sibilos e tempo expiratório aumentado indicam obstrução ao fluxo aéreo (asma e DPOC). Pulso paradoxal é um achado frequentemente negligenciado, mas um sinal de gravidade significativo, associado com tamponamento cardíaco, tromboembolismo com disfunção cardíaca e asma grave.  

Tabela 2.
Achados na avaliação clínica que indicam causas específicas. Extraído e adaptado das referências 2 e 5. 

Exames complementares 

A avaliação de pacientes com dispneia aguda inclui exames complementares e sua seleção deve ser guiada pela apresentação clínica. Embora nem todos sejam necessários para todos os pacientes, em casos com quadro indiferenciado ou sinais de gravidade, esses exames são fundamentais para orientar o diagnóstico inicial. Costumam fazer parte dessa abordagem o eletrocardiograma, a gasometria arterial, biomarcadores e exames de imagem.  

O eletrocardiograma (ECG) é mandatório em casos de suspeita de síndrome coronariana aguda ou outras causas cardíacas. Apesar de nem sempre apresentar achados específicos, o ECG orienta a conduta e auxilia na exclusão de infarto agudo do miocárdio, tromboembolismo pulmonar, cor pulmonale, insuficiência cardíaca, arritmias, pneumotórax e distúrbios metabólicos.  

A gasometria arterial é tradicionalmente utilizada na avaliação da dispneia aguda, mas seu papel é limitado em pacientes exclusivamente hipoxêmicos, graças à ampla disponibilidade da oximetria de pulso. Em contrapartida, é essencial nos casos de hipercapnia (insuficiência respiratória tipo 2), acidose ou dúvida na acurácia do oxímetro. Também permite calcular o gradiente alvéolo-arterial e avaliar o estado ácido-básico. Embora seu valor diagnóstico para diferenciar causas cardíacas e pulmonares seja limitado, um pH ≤ 7,39 na admissão associa-se a pior prognóstico. O hemograma também é útil, em especial para identificar infecção ou anemia como causas ou fatores agravantes da dispneia. 

Biomarcadores como BNP, NT-proBNP, troponina e d-dímeros são valiosos na avaliação da dispneia. Os peptídeos natriuréticos ajudam a distinguir causas cardíacas de pulmonares, com valores baixos praticamente excluindo insuficiência cardíaca aguda (BNP <100 pg/mL ou NT-proBNP <300 pg/mL). Níveis elevados contribuem para estratificação de risco, embora possam ser influenciados por idade, função renal, fibrilação atrial e obesidade. A troponina, quando negativa, auxilia na exclusão de síndrome coronariana aguda, mas pode se elevar (e também indicar gravidade) em outras condições, como tromboembolismo pulmonar, sepse e pericardite. O d-dímeros tem papel na exclusão de tromboembolismo pulmonar em pacientes com baixa probabilidade clínica, sendo ineficaz em casos de alto risco, nos quais exames de imagem (angiotomografia ou cintilografia) são indicados.  

Por fim, é raro que pacientes com dispneia aguda não realizem algum exame de imagem na avaliação inicial. A radiografia de tórax, nas projeções póstero-anterior e lateral, é o exame mais utilizado por sua ampla disponibilidade e baixo custo, sendo útil na detecção de pneumonia, pneumotórax, derrame pleural e edema pulmonar. Contudo, a ultrassonografia pulmonar à beira do leito tem ganhado espaço, oferecendo alta acurácia para muitos desses mesmos diagnósticos. Existem muitas propostas de uso deste recurso e você pode revisar algumas delas nos nossos materiais. Em casos selecionados, especialmente quando a radiografia e o ultrassom são inconclusivos, a angiotomografia de tórax é útil para investigar tromboembolismo pulmonar e outras causas estruturais.  

Conclusão
 

O enfoque da nossa discussão é a abordagem diagnóstica, mas é importante lembrar que, diante de um paciente com dispneia aguda, os objetivos centrais da abordagem são: 

  • otimização da oxigenação arterial; 
  • a avaliação imediata da necessidade de suporte ventilatório; 
  • manejo das via aérea; 
  • identificação imediata de condições potencialmente fatais.   

Esta estabilização e avaliação iniciais fazem parte da abordagem geral do paciente, conforme apresentado esquematicamente na
Figura 1
(primeiros dois passos). Após, busca-se a causa mais provável da dispneia (
Tabela 1
) e deve-se iniciar o tratamento específico o quanto antes. Por fim, vale lembrar de pontos de detalhe que podem colocar pacientes em risco, como não reconhecer sinais vitais anormais ou sinais de insuficiência respiratória iminente, não buscar diagnósticos etiológicos adequadamente e monitorar o paciente inadequadamente (durante a permanência no hospital ou após a alta).  

Figura 1.
Abordagem esquematizada de dispneia / hipoxemia aguda. Extraído e adaptado da referência 6.