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Doença celíaca em crianças: quando suspeitar e diagnóstico

A doença celíaca (DC) em crianças é uma condição autoimune comum que afeta indivíduos de todas as idades e resulta em manifestações clínicas variadas. É caracterizada por uma resposta imunológica à ingestão de glúten em indivíduos geneticamente suscetíveis. A prevalência pontual da DC é de aproximadamente 1% na maioria das populações. A prevalência real na população pediátrica em muitos países ocidentais varia de 0,10% a 3,03%. 

A incidência DC diagnosticada tem aumentado nas últimas décadas. Este aumento tem sido atribuído ao aumento da realização de testes e na autoimunidade. Estudos populacionais sorológicos mostraram um aumento significativo na prevalência ao longo do tempo, como um aumento de quase cinco vezes na sorologia positiva para celíaca nos EUA. 

O impacto da doença é considerável, com custos aumentados nos primeiros 2 anos após o diagnóstico e nos anos anteriores, devido à investigação dos sintomas. O custo maior dos alimentos sem glúten e a carga não econômica da dieta também são componentes importantes.  

Quando suspeitar de doença celíaca?
  

A doença celíaca (DC) afeta indivíduos de todas as idades, historicamente a apresentação clássica em crianças envolvia diarreia persistente e intensa associada à desnutrição, no entanto, atualmente, a minoria de crianças apresenta esse quadro. Há um número crescente de crianças com DC que apresentam sintomas gastrointestinais leves e não específicos, manifestações extra-intestinais, ou ainda, que são assintomáticas (detectadas por triagem).  

As manifestações extra-intestinais são comuns na população pediátrica, com uma prevalência em torno de 60%.  

  • Manifestações gastrointestinais:
    embora menos comum hoje em dia, a apresentação clássica incluía diarreia profunda e desnutrição. Atualmente, são mais frequentes sintomas gastrointestinais leves e não específicos como: diarreia, perda de peso, dor abdominal e inchaço abdominal. 
  • Manifestações extra-intestinais: 
    • Baixa estatura: afeta aproximadamente um terço das crianças no diagnóstico, com prevalência estimada entre 10–40%. 
    • Atraso puberal: prevalência estimada entre 11–20% 
    • Anemia: prevalência estimada em 15%. É principalmente devido à deficiência de ferro, mas também pode haver deficiências de folato e B12. A inflamação duodenal na DC ativa pode levar à má absorção de ferro.  
    • Anormalidades das enzimas hepáticas: prevalência estimada entre 9–14%.  
    • Defeitos no esmalte dentário: prevalência estimada entre 40–50%. Aparecem como manchas brancas, amarelas ou marrons. Defeitos simétricos em todos os quadrantes da dentição parecem ser específicos da DC. Esses defeitos ocorrem quando a DC afeta crianças durante o desenvolvimento dentário (antes dos 7 anos de idade). 
    • Estomatite aftosa (úlceras orais recorrentes): prevalência estimada entre 40–50% 
    • Osteopenia/Osteoporose: prevalência estimada entre 10–30%. Causada pela má absorção de cálcio e vitamina D. 
    • Artralgia/Artrite não erosiva: prevalência estimada entre 5–10%. Afeta mais comumente joelho, quadril e tornozelo. 
    • Dermatite herpetiforme: prevalência estimada em <5%. É a principal manifestação cutânea da DC, embora menos comum em crianças do que em adultos.  
    • Cefaleias: prevalência estimada entre 20–30%. 
    • Ansiedade, depressão: prevalência estimada entre 5–10%.   

Muitas crianças são assintomáticas e são detectadas por triagem. Mesmo pacientes assintomáticos podem apresentar danos histológicos avançados A detecção e o diagnóstico precoces são importantes para evitar progressão da doença e as consequências da baixa absorção de nutrientes.    

Fatores de risco 

Existem certos fatores que aumentam o risco de desenvolver ou ter doença celíaca na infância: 

  • Fatores Genéticos e História Familiar
    : a DC é caracterizada por uma resposta imunológica ao glúten em indivíduos geneticamente suscetíveis. Existe uma clara predisposição familiar com  até 10% dos parentes de primeiro grau de indivíduos com DC afetados. Mais de 98% das pessoas com DC carregam o genótipo HLA DQ2 e/ou DQ82. O haplótipo HLA DQ2.5 confere o maior risco. Estudos em gêmeos mostram uma alta taxa de concordância (até 75% em monozigóticos).  
  • Condições Médicas Associadas (Doenças Autoimunes e Síndromes Genéticas):
    a doença celíaca frequentemente coexiste com outras condições, e a presença destas condições aumenta o risco de DC. Crianças com estas condições são consideradas em grupos de risco para rastreio: 
  • Diabetes Tipo 1:
    a doença celíaca ocorre com maior frequência em indivíduos com diabetes tipo 1, com uma prevalência variando de 1,6% a 16,4% em comparação com 0,3% a 1% na população geral.  Diretrizes clínicas recomendam o rastreamento de doença celíaca em crianças com diabetes tipo 1 logo após o diagnóstico de diabetes e periodicamente, devido ao risco aumentado de complicações associadas, como osteoporose, deficiência de ferro e falha de crescimento 
  • Edema Angioneurótico Hereditário (HANE):
    a associação entre angioedema hereditário e doença celíaca em crianças foi investigada em um estudo que avaliou a prevalência de doença celíaca em pacientes com angioedema hereditário devido à deficiência de inibidor de C1. O estudo incluiu 128 pacientes com angioedema hereditário, dos quais 22 eram pediátricos. Os resultados mostraram que 4 das 22 crianças foram diagnosticadas com doença celíaca, indicando uma prevalência de 18,1% entre as crianças com angioedema hereditário, significativamente maior do que a prevalência na população geral, que é de aproximadamente 1,2% 

Outras associações também encontradas são:  

  • Tireoidite Autoimune 
  • Deficiência Seletiva de Imunoglobulina A (IgA) 
  • Síndrome de Turner 
  • Síndrome de Williams  

Diagnóstico da doença celíaca em crianças
  

O diagnóstico da doença celíaca (DC) em pacientes pediátricos envolve uma combinação de testes, embora a abordagem tenha evoluído ao longo do tempo. 

O rastreio em massa na comunidade não é recomendado. Em vez disso, é recomendado o rastreio direcionado ("case finding") em grupos de risco ou em crianças com sintomas/sinais sugestivos.  

Deve-se considerar o teste para DC em crianças com sintomas, sinais ou evidências laboratoriais sugestivas de má absorção, como diarreia crônica com perda de peso, esteatorreia, dor abdominal e inchaço abdominal. É fortemente recomendado testar pacientes pediátricos com um parente de primeiro grau com diagnóstico confirmado de DC. Mesmo parentes assintomáticos de primeiro grau podem ser triados. 

Grupos de risco com maior probabilidade de ter DC e que devem ser testados incluem crianças com Diabetes Tipo 1, Doença Tireoidiana Autoimune, Deficiência Seletiva de IgA, Síndrome de Down, Síndrome de Turner e Síndrome de Williams.  

Métodos diagnósticos

Testes Sorológicos (Anticorpos)

  • IgA anti-transglutaminase tecidual (TTG-IgA): indicado para crianças maiores de 2 anos que não têm deficiência de IgA, o anticorpo IgA anti-transglutaminase tissular é recomendado como o único teste preferencial para a detecção de DC 
  • IgG contra Peptídeos Desaminados de Gliadina (DGP-IgG): esse anticorpo pode ser útil em crianças menores de 2 anos ou crianças com suspeita diagnóstica e TTG-IgA negativa ou em crianças com deficiência de IgA, nas quais os testes para DC devem ser realizados utilizando anticorpos baseados em IgG. 
  • Anticorpos anti-endomísio (EMA):  são utilizados como um teste confirmatório na abordagem diagnóstica da doença celíaca em crianças, especialmente quando há suspeita clínica e resultados positivos de outros testes sorológicos, como o anticorpo IgA anti-transglutaminase tecidual. Funciona como um bom teste confirmatório. Em crianças menores de 2 anos deve ser realizado junto a outros exames.  

Biópsia Duodenal (Padrão Ouro Tradicional) 

Tradicionalmente, a biópsia do intestino delgado era considerada essencial para o diagnóstico. As diretrizes atuais da American College of Gastroenterology (ACG) recomendam a EGD (esofagogastroduodenoscopia) com múltiplas biópsias duodenais para a confirmação do diagnóstico tanto em crianças quanto em adultos com suspeita de DC.

A biópsia auxilia na confirmação de lesão no intestino delgado característica da DC e na diferenciação em relação a outras patologias. Deve ser realizada em pacientes sintomáticos com alta suspeita pré-teste, independentemente dos resultados sorológicos, devido à sensibilidade imperfeita da sorologia e à possibilidade de DC soronegativa.  

De acordo com as diretrizes da Sociedade Europeia de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN), um EMA positivo em uma segunda amostra de sangue, combinado com níveis muito elevados de TTG-IgA (mais de 10 vezes o limite superior do normal) e sintomas característicos de DC, pode permitir o diagnóstico de DC sem a necessidade de biópsia intestinal em crianças selecionadas.  

Em 2020, houve uma atualização dessa recomendação, permitindo o diagnóstico sem biópsia em crianças assintomáticas, desde que haja concordância da família. Em geral, crianças que são testadas sem sintomas possuem comorbidades associadas que aumentam o risco de DC ou histórico familiar positivo. É importante mencionar que esta abordagem sem biópsia exige uma adesão rigorosa aos critérios sorológicos e dos testes laboratoriais de qualidade. Entretanto, as informações sólidas sobre o diagnóstico de DC sem biópsia nos Estados Unidos ainda não estão totalmente disponíveis.  

Tratamento
 

O tratamento atual da DC exige aderência rigorosa a uma dieta sem glúten (DSG), esta é a única terapia eficaz para a doença celíaca no disponível, essa dieta deve ser seguida por toda a vida, com seguimento multiprofissional.  

A aderência rigorosa significa a eliminação completa do trigo, cevada e centeio e seus derivados do consumo. A quantidade tolerável de glúten varia, mas até mesmo 50 mg podem ser problemáticos. A maior parte dos pacientes apresenta uma ótima resposta ao tratamento.

Em crianças, a resolução dos sintomas tende a ser relativamente rápida, frequentemente ocorrendo dentro de 2-4 semanas, com melhora e controle dos múltiplos sintomas intestinais e extra-intestinais associados, promovendo importante melhora da qualidade de vida. Para crianças, o crescimento e desenvolvimento normais são alcançáveis com uma DSG e devem ser metas de monitorização. 

O acompanhamento clínico pode exigir várias visitas durante o primeiro ano após o diagnóstico (por exemplo, aos 3, 6, 12 meses) e visitas regulares (por exemplo, duas vezes por ano ou anualmente) a um especialista em gastropediatria. Uma visita com um nutricionista após o diagnóstico é obrigatória, e visitas subsequentes conforme necessário para reforçar a educação e aderência à DSG devem ser incentivadas. O acompanhamento é necessário para que o especialista monitorize a resposta ao tratamento através da monitorização do crescimento, controle dos sintomas e respostas sorológicas, avaliando a necessidade de introdução de medicamentos em caso de refratariedade da doença após a DSG. 

Os pacientes podem precisar de acompanhamento psicológico e devem receber orientações específicas em relação à leitura dos rótulos das embalagens de ultraprocessados, evitando-os sempre que possível.