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Anafilaxia em pediatria: como conduzir na emergência?

A anafilaxia é definida como uma desordem sistêmica, potencialmente fatal, desencadeada pela liberação de mediadores de mastócitos e basófilos, ativada por via alérgica (IgE mediada) ou não IgE mediada (não alérgica). Apresenta início súbito e acometimento multissistêmico, envolvendo pele, sistemas pulmonar, gastrointestinal e cardiovascular. A ausência de critérios mais abrangentes contribui para sua subnotificação, subdiagnóstico e eventuais erros ou atrasos na instituição da terapêutica adequada.

O termo anafilaxia deve ser utilizado tanto para casos mais graves, acompanhados de choque (colapso cardiovascular), quanto para os mais leves.Os alimentos são os principais desencadeantes de anafilaxia na infância, seguidos por venenos de insetos e drogas. Registro europeu de anafilaxia identificou o leite de vaca e o ovo como os principais desencadeantes até os 2 anos de idade; a avelã e as castanhas em pré-escolares; e o amendoim em todas as idades.

A partir dos 10 anos, os venenos de insetos e os medicamentos são responsáveis pela maioria dos episódios de anafilaxia, sendo que os crustáceos também podem estar envolvidos em adolescentes. No Brasil, estudo com alergistas revelou que 41,5% dos casos de anafilaxia registrados por esses profissionais ocorreram em menores de 20 anos, sendo os medicamentos os principais desencadeantes em todas as faixas etárias.Alguns estudos relatam prevalência de anafilaxia ao longo da vida entre 0,3% e 5,1%, e incidência entre 50 e 112 episódios por 100.000 pessoas ao ano. Embora seja uma condição relativamente rara, é importante destacar que a frequência de atendimentos em emergência e de hospitalizações por anafilaxia em crianças e adolescentes vem aumentando progressivamente. A letalidade, por sua vez, permanece estável ou apresenta discreto declínio.

A taxa de letalidade por anafilaxia observada em estudo realizado na França entre 1979 e 2014 foi de 1:10 milhões de crianças por ano. O principal desencadeante desses episódios foi iatrogênico (48,8%), com destaque para os medicamentos, que representaram a maioria dos casos nesse grupo.

Diagnóstico da anafilaxia pediátrica 
 

As manifestações clínicas da anafilaxia incluem:

  • Pele:
    eritema, prurido, urticária, angioedema. Também podem ocorrer exantema morbiliforme e ereção de pelos. A urticária pode ser o sintoma inicial da anafilaxia, com cerca de 90% dos pacientes que desenvolvem essa reação grave apresentando manifestações dermatológicas.
  • Sistema respiratório:
    é o principal órgão envolvido no choque anafilático. Pode haver prurido e sensação de garganta “fechando”, disfonia, tosse seca irritativa, edema de glote e de laringe, dispneia, sensação de aperto torácico, sibilos generalizados, crises de espirros, lacrimejamento e congestão nasal intensa. A reação respiratória a alimentos, como componente de anafilaxia, pode manifestar-se como edema de laringe e/ou crises de asma de intensa gravidade. A presença prévia de asma crônica é um indicador de maior gravidade da reação alérgica alimentar, com risco de anafilaxia fatal.
  • Sistema gastrintestinal:
    prurido e/ou edema dos lábios, língua e palato, sabor metálico na boca, náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal. Manifestações gastrointestinais acompanhadas por outras manifestações alérgicas na pele e/ou nos pulmões caracterizam a anafilaxia.
  • Sistema cardiovascular:
    síncope, dor torácica, arritmia, hipotensão e choque.
  • Sistema nervoso:
    cefaleia, diminuição do vigor, confusão mental, sonolência, convulsões, incontinência, perda de consciência e coma.
  • Miscelânea:
    cólicas e contrações uterinas, sentimento de “morte iminente”.

Critérios clínicos

Recentemente, a World Allergy Organization (WAO) definiu novos critérios clínicos relacionados à alta probabilidade diagnóstica de anafilaxia em pacientes adultos e pediátricos, conforme descrito abaixo:

A anafilaxia é altamente provável quando qualquer um dos dois critérios a seguir é atendido:

  1. Início agudo de uma doença (minutos a algumas horas) com envolvimento simultâneo da pele, do tecido mucoso ou de ambos (por exemplo, urticária generalizada, prurido ou rubor, inchaço dos lábios, língua ou úvula)
    E
    pelo menos um dos seguintes:
    1. Comprometimento respiratório (por exemplo, dispneia, broncoespasmo, estridor, PFE reduzido, hipoxemia);
    2. Pressão arterial reduzida ou sintomas associados à disfunção de órgão-alvo (por exemplo, hipotonia [colapso], síncope, incontinência);
    3. Sintomas gastrintestinais graves (por exemplo, cólicas abdominais intensas, vômitos repetitivos), especialmente após a exposição a alérgenos não alimentares.
  2. Início agudo de hipotensão, broncoespasmo ou envolvimento laríngeo após exposição a um alérgeno conhecido ou altamente provável para aquele paciente (minutos a algumas horas), mesmo na ausência de envolvimento cutâneo típico.

Manejo emergencial da anafilaxia

Uma vez realizado o diagnóstico, as seguintes condutas devem ser tomadas:

  • Remover o agente desencadeante, se possível, como, por exemplo, na infusão de medicamento endovenoso.
  • Avaliar circulação, permeabilidade das vias aéreas, padrão respiratório, estado mental e presença de lesões de pele, além de estimar a massa corpórea.
  • Chamar ajuda ou remover o paciente para a sala de emergência.
  • Injetar adrenalina na concentração de 1:1000 (1 mg/mL) via intramuscular no músculo vasto lateral da coxa.
    • Doses:
      • Adultos/Adolescentes: 0,2–0,5 mg (dose máxima) IM
      • Crianças: 0,01 mg/kg até o máximo de 0,3 mg IM
  • Posicionar o paciente com membros superiores elevados.
  • Administrar oxigênio com máscara facial, com fluxo de 6 a 8 L/min, e manter vias aéreas pérvias.
  • Estabelecer acesso venoso calibroso para administração de fluidos.
  • Atentar para a necessidade de RCP.
  • Avaliar periodicamente os sinais vitais.
  • Administrar drogas de segunda linha (anti-histamínicos, beta-agonistas e corticoides), que são importantes para o alívio dos sintomas, mas não atuam na prevenção da mortalidade por edema laríngeo, hipotensão e choque.

Quatro aspectos fundamentais no tratamento:

  1. Administração rápida de adrenalina
  2. Decúbito dorsal com membros inferiores elevados
  3. Suplementação de O₂ se SatO₂ ≤ 95%
  4. Manutenção adequada da volemia

Drogas de segunda linha utilizadas no tratamento da anafilaxia

Como já mencionado, são drogas importantes para o controle dos sintomas, mas não previnem o óbito — por isso, devem ser usadas
após
a aplicação da adrenalina IM.

• Expansão de volume:
utilizar solução salina ou Ringer lactato.

  • Dose:
    • Adultos/Adolescentes: 1–2 litros rapidamente IV
    • Crianças: 5–10 mL/kg IV nos primeiros 5 minutos e 30 mL/kg na primeira hora

• β2-Agonistas:
Sulfato de salbutamol via inalatória

  • Dose:
    • Aerosol dosimetrado com espaçador (100 mcg/jato)
      • Adultos/Adolescentes: 4–8 jatos a cada 20 minutos, dose máxima de 20 jatos
      • Crianças: 50 mcg/kg/dose = 1 jato/2 kg; dose máxima: 10 jatos
    • Nebulizador (solução para nebulização: gotas – 5 mg/mL – ou flaconetes – 1,25 mg/mL)
      • Adultos/Adolescentes: 2,5–5,0 mg a cada 20 minutos por até 3 doses
      • Crianças: 0,07–0,15 mg/kg a cada 20 minutos até 3 doses; dose máxima: 5 mg

• Antihistamínicos:

  • Prometazina e difenidramina
  • Dose:
    • Adultos/Adolescentes: 25–50 mg IV
    • Crianças: 1 mg/kg IV, até o máximo de 50 mg

• Glicocorticoides:
auxiliam nos sintomas tardios da anafilaxia.

  • Metilprednisolona –
    Dose:
    1–2 mg/kg/dia IV
  • Prednisolona –
    Dose:
    0,5–1 mg/kg/dia VO

Glucagon:
Pacientes em uso de beta-bloqueadores podem necessitar de doses maiores de adrenalina para obter o mesmo efeito. Nesses casos, recomenda-se a utilização de glucagon:
5–15 µg/minuto IV
(infusão contínua).

Esquema para o tratamento de anafilaxia

Alta hospitalar

As anafilaxias bifásicas incidem em até 10% dos casos de anafilaxias e são caracterizadas pelo recrudescimento de sintomas após algumas horas de resolução da fase imediata. Não há fatores preditivos e a maioria das reações ocorre em até 8 horas.  

Recomenda-se, portanto, manter o paciente que sofreu uma anafilaxia, em observação por entre 8 a 24 horas. Em casos leves, no mínimo de 6 a 8 horas; em casos graves, de 24 a 48 horas. 

Na alta da emergência, o paciente deve receber prescrição de anti-histamínicos e corticoides por via oral pelo prazo de 5 a 7 dias e ser referenciado a um médico especialista, para ser avaliado na busca de identificar o agente desencadeante.

Conclusão 
 

Reconhecer rapidamente os sinais clínicos da anafilaxia é a etapa mais crítica para salvar vidas. Urticária, angioedema, vômitos, rouquidão, chiado no peito, queda da pressão arterial e perda de consciência são sinais que exigem ação imediata. A World Allergy Organization (WAO) estabeleceu critérios clínicos que ajudam a identificar casos com alta probabilidade de anafilaxia, mesmo na ausência de lesões cutâneas. O profissional deve sempre manter alto grau de suspeição, sobretudo em pacientes com sintomas respiratórios ou cardiovasculares após contato com alérgenos conhecidos. 

A administração imediata de adrenalina intramuscular é a única intervenção capaz de interromper a progressão da anafilaxia e prevenir o óbito. Qualquer atraso no reconhecimento e na aplicação da medicação aumenta drasticamente o risco de complicações graves e morte. Oxigênio, expansão volêmica e drogas adjuvantes complementam o manejo, mas nenhum substitui a ação rápida com adrenalina. 

Após estabilização, o paciente deve ser observado por até 24 horas devido ao risco de reações bifásicas e ser encaminhado para seguimento especializado.