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Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes: novidades sobre diagnóstico e rastreamento

Diabetes
mellitus
(DM) não é uma doença por si só, mas um conjunto de doenças que tem em comum alteração no metabolismo dos carboidratos (por diversos motivos e mecanismos) cursando com hiperglicemia. Assim, em função de graus variáveis de redução da secreção de insulina e aumento na resistência a ação deste hormônio, surge hiperglicemia que, ao atingir certos níveis recebe rótulos (diagnóstico de DM).   

Do conceito acima compreende-se que, para o diagnóstico de DM (independente do tipo), é fator necessário a glicose elevada. Recentemente a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) revisou sua diretriz, apresentando um novo recurso para este diagnóstico, bem como indicações de rastreamento. Nesta postagem iremos revisar as recomendações para diagnóstico e rastreamento de DM da SBD.  

Racional para os pontos de corte e para o rastreamento
 

O diagnóstico de diabetes mellitus é definido pela presença de hiperglicemia sustentada acima de um ponto de corte. Esse limite é estabelecido com base no nível de glicose a partir do qual se observa um aumento significativo no risco de retinopatia diabética. No entanto, vale destacar que o risco de outras complicações (nefropatia, cardiovascular…), também cresce com o aumento da glicemia. Assim, o ponto de corte tem como objetivo identificar indivíduos com risco suficientemente elevado de complicações, em quem o benefício do diagnóstico e do tratamento justifica a rotulagem da doença.  

Apesar da definição de um ponto de corte em que o risco aumenta
significativamente
, a relação entre hiperglicemia e complicações não é dicotômica, mas sim contínua. Ou seja, mesmo com medidas de glicose abaixo do nível de DM, quanto maior a glicose, maior a chance de retinopatia, nefropatia, cardiopatia e demais complicações. Em função disso, considera-se que haja três níveis de metabolismo glicêmico: normal, pré-diabetes e diabetes. Ou seja, indivíduos com glicose elevada, mas abaixo do nível de DM, recebem o rótulo de pré-diabetes.  

Quanto ao rastreamento, é importante lembrar que o Brasil ocupa a quinta posição mundial em número absoluto de pessoas com diabetes mellitus. Em 2023, estima-se que mais de 20 milhões de brasileiros convivam com a doença. A grande maioria desses casos — mais de 90% — corresponde ao diabetes tipo 2 (DM2), que se caracteriza por instalação gradual, evolução silenciosa e forte associação com outros fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão arterial e dislipidemia.  

Justamente por essa apresentação insidiosa, o diagnóstico precoce do DM tipo 2 permite instituir o tratamento antes que surjam complicações, reduzindo impacto individual e populacional. Apesar desse raciocínio clínico plausível, os estudos não demonstraram benefício em mortalidade com o rastreamento populacional universal. Por isso, a recomendação atual é pelo rastreamento seletivo: direcionado a pessoas com maior risco de alterações no metabolismo glicêmico, como veremos a seguir.  

Diagnóstico
 

Como discutido acima, existem níveis para o diagnóstico de DM e pré-diabetes, que estão apresentados na
Tabela 1
. Estes níveis podem ser aferidos com diferentes testes laboratoriais: glicemia, hemoglobina glicada (HbA1c) e teste (oral) de tolerância a glicose (TTG). Todos eles tem vantagens e desvantagens: 

  • Glicemia: mais disponível e barato, porém com maior variabilidade para situações agudas; 
  • HbA1c: disponível e dispensa jejum, mas é mais caro e com influência de variantes de hemoglobina. Precisa estar calibrado com o
    National Glycohemoglobin Standardization Program
    para ser considerado válido; 
  • TTG: melhor acurácia, porém menos disponível e mais desconfortável.  

Tabela 1.
Critérios de classificação para diferentes níveis de glicemia. Extraído e adaptada da referência 1. 

Pela disponibilidade e facilidade de coleta, os exames de glicemia e HbA1c são os mais utilizados – frequentemente solicitados ao mesmo momento. A glicemia de jejum é preferencial, mas a glicemia ao acaso, quando associada a sintomas típicos, também permite o diagnóstico. Alguns detalhes neste processo diagnóstico são importantes: 

  1. Em caso de exames divergentes, o com valor mais alterado (ou seja, acima do limiar de DM ou pré-diabetes) deve ser considerado. Em caso de exames concordantes (na mesma categoria), o diagnóstico está estabelecido; 
  2. Em caso de exames conflitantes (apenas um alterado), este deverá ser repetido para confirmação; 
  3. Para pessoas com sintomas e glicemia > 200 mg/dL, confirmação não é necessária e o diagnóstico está estabelecido com apenas um teste. 

A grande novidade da diretriz da SBD é a incorporação do teste de tolerância à glicose (TTG) com medida em uma hora como critério diagnóstico.
O exame consiste na dosagem da glicemia em jejum, seguida da ingestão de 75 g de glicose por via oral. Tradicionalmente ele é realizado com medidas de glicose em duas horas, mas estudos novos indicam que a acurácia do exame em uma hora é maior e ainda com menos desconforto. Essa nova proposta se baseia em estudos que demonstram maior acurácia diagnóstica do valor obtido em uma hora, em comparação com a coleta de duas horas.  

Apesar de sua precisão superior, o exame apresenta limitações práticas: menor disponibilidade, maior custo e desconforto do paciente durante a realização. Por esses motivos, o TTG costuma ser reservado para casos em que os exames iniciais (glicemia e HbA1c) apresentem resultados limítrofes. É importante lembrar que, para a acurácia do TTG, o paciente deve estar em jejum e ter mantido uma ingestão regular de carboidratos (pelo menos 150 g/dia) nos três dias que antecedem o teste.  

Rastreamento
 

O rastreamento de DM tipo 2 (e pré-diabetes) é recomendado pela maioria das sociedades de especialistas e isso não é diferente na SBD. Apesar disso, como discutimos acima, os benefícios do rastreamento não são completamente definidos na literatura. Ele torna-se mais eficaz quanto maior a prevalência da doença. Assim seleciona-se pessoas com maior probabilidade de rastreamento positivo, visando maximizar a efetividade da iniciativa.   

A
Tabela 2
apresenta as indicações de rastreamento pela SBD, que resumidamente inclui pessoas com mais de 35 anos e indivíduos com obesidade e fatores de risco adicionais. Ele deve ser realizado pela dosagem de glicemia de jejum e/ou HbA1c; se houver disponibilidade e recursos financeiros adequados, prefere-se pelos dois exames ao mesmo tempo. A sociedade recomenda complementação diagnóstica com TTG de uma hora para as pessoas com testes em nível de pré-diabetes, para aumentar a sensibilidade do rastreamento.   

Vale comentar a opção pelo
Finnish Diabetes Risk Score
(FINDRISC). Existem vários escores de estimativa de risco de DM na população, mas o Ministério da Saúde brasileiro recomenda este, que é traduzido e adaptado para o português. Apesar de disso, vale ressaltar que foi desenvolvido em uma população bastante diversa (Finlândia) e não existe validação dele na população brasileira.   

Tabela 2.
Indicações de rastreamento para DM tipo 2. Extraído da referência 1. 

Quanto ao tempo para reavaliação, a SBD recomenda: 

  • Repetição semestral: pessoas sem sintomas, mas com apenas um exame alterado preenchendo critérios para DM (e os demais exames em nível de pré-diabetes ou normais); 
  • Repetição anual: 
  • Pessoas com pré-diabetes confirmado; 
  • Pessoas com rastreamento negativo e três ou mais fatores de risco para DM ou FINDRISC alto ou muito alto; 
  • Repetição trianual: demais indivíduos com rastreamento negativo.  

Por fim, a SBD também comenta sobre situações específicas em que o rastreamento de diabetes é recomendado. Indivíduos com comorbidades associadas ao DM, como doenças pancreáticas, endocrinopatias, HIV e doença hepática esteatótica, devem ser rastreados. O rastreamento também é indicado antes e após o início de medicações com potencial hiperglicemiante, como glicocorticoides e antipsicóticos. Além disso, pode ser considerada a dosagem de autoanticorpos em familiares de primeiro grau de pessoas com DM tipo 1, visando reduzir o risco de cetoacidose e identificar candidatos para estratégias de prevenção.  

Um comentário sobre o uso do TTG de uma hora
 

Esta posição da SBD de incluir o TTG de uma hora nos critérios de DM está de acordo e segue o posicionamento da
International Diabetes Federation
(IDF). Ainda assim, outras grandes organizações, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
American Diabetes Association
(ADA) não endossaram o critério. Em suma, trata-se de um assunto em debate e ainda é incerto o quanto este critério será utilizado e adotado. O balanço entre atenção com a doença e risco de sobre-diagnóstico não pode ser negligenciado nesta discussão.