Prevenção da gravidez na adolescência: o papel do pediatra para além da prescrição de anticoncepcionais

A gravidez inoportuna entre adolescentes, entendida como a que ocorre entre 10 e 19 anos, de maneira geral pode estar associada a diversas consequências negativas para a saúde e o futuro dos genitores e do bebê. Segundo a OMS (2012), gestar na adolescência é associado a maior risco de eclâmpsia, infecções puerperais, filhos com baixo peso ao nascer, parto pré-termo, morte neonatal, além de diminuírem chances para oportunidades educação e trabalho e insegurança pessoal
Dados indicam que, apesar da diminuição nos números, o Brasil ainda enfrenta altos índices de gravidez na adolescência. Essa realidade impacta não apenas a saúde dos jovens, mas também o acesso à educação e a oportunidades profissionais. De acordo com um estudo do Ministério da Saúde, divulgado em 2020, naquele ano, cerca de 380 mil partos foram de mães com até 19 anos de idade, o que correspondeu a 14% de todos os nascimentos no Brasil.
A pesquisa também apontou que, entre os nascidos vivos de adolescentes grávidas, em 2020, a maior concentração está nas regiões Norte (21,3%) e Nordeste (16,9%), seguido por Centro-Oeste (13,5%), Sudeste (11%) e Sul (10,5%).
No recorte étnico, do total de nascidos vivos de mães indígenas, 28,2% foram de mães adolescentes. Entre as mulheres pardas que se tornaram mães, 16,7% dos bebês nasceram de adolescentes, e entre os partos de mulheres pretas, 13% foram de adolescentes. Já entre os nascidos de mães brancas, 9,2% eram adolescentes.
Estima-se que no Brasil uma em cada cinco mulheres será mãe antes de finalizar a adolescência, fato bastante preocupante. Faltam políticas públicas eficientes no nosso país específicas e voltadas para adolescentes.
O papel do pediatra na orientação da saúde sexual
É muito comum que ao falar sobre prevenção a gravidez na adolescência pensemos imediatamente em métodos contraceptivos para meninas, entretanto, o pediatra pode e deve orientar as famílias sobre aspectos da educação sexual desde a infância com crianças de ambos os sexos. A educação sexual é uma das principais ferramentas para combater o início precoce da atividade sexual.
É muito comum que as adolescentes do sexo feminino recebam mais orientação sexual do que os do sexo masculino, seja pensando em prevenção de abuso, seja para evitar a gravidez, entretanto, a educação sexual deve ser fornecida para todos, e essa também é uma função do pediatra. Isso porque a principal forma de educação sexual das crianças e adolescentes hoje é o acesso precoce a conteúdos eróticos e pornográficos pela internet.
O problema de hoje não é o que nossas crianças estão aprendendo a respeito de sexualidade. O problema é o que estão aprendendo, em que idade estão aprendendo e quem as está ensinando. Por esse motivo, toda consulta pediátrica deve abordar um aspecto da educação sexual com as crianças e suas famílias.
As crianças e os pré-adolescentes devem aprender sobre limite corporal, intimidade e privacidade, toques adequados e inadequados, o nome de suas partes íntimas e também sobre o que é e como funcionam seus sistemas reprodutores. Com essa educação básica, no momento da adolescência, poderemos abordar conceitos relacionados à prevenção de ISTs e gravidez na adolescência sem que isso cause nas famílias um impacto negativo inicial. A educação em sexualidade deve fazer parte do cotidiano como a educação em geral faz.
Educação sexual na infância e seus impactos na adolescência
A sexualidade é parte integral da personalidade de cada pessoa. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida. Sexualidade é a energia que motiva o aprendizado, o contato e a intimidade e se expressa na forma de sentir, na forma de agir, das pessoas tocarem e serem tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental.
A base da educação em sexualidade é a afetividade, e esse aprendizado deve se iniciar o quanto antes, não adiando apenas para a puberdade ou adolescência. Assim, quando crescerem, os adolescentes estarão mais aptos para lidar com o encontro íntimo com o corpo do outro, evitando que se queira violentar, abusar e explorar, tornado mais palpável que reconheçam a importância dos métodos de prevenção.
Toda energia sexual da infância deve ser utilizada para formação das emoções, o desenvolvimento afetivo, das relações sociais, o conhecimento do corpo e como ele funciona, vivência de vários papeis e construção da autoestima. As crianças e pré-adolescentes precisam aprender a exercitar sua afetividade, reconhecer emoções, descobrir outras formas de sentir prazer pela exploração de atividades coletivas (esportivas, artísticas, comunitárias), essa é uma fase de intensa contato com diversas possibilidades, quanto menor o repertório desses adolescentes, maior a chance de iniciação sexual precoce.
Um dos fatores que atrapalha esse desenvolvimento é a erotização e a adultização precoce das crianças. Erotização infantil é a exposição da criança a situações e/ou conteúdos sexualizados que são inapropriados para a sua idade e que lhe provocam sensações ou comportamento erótico. A erotização Infantil é danosa, uma vez que aciona impulsos sexuais que não correspondem à idade da criança e ao seu desenvolvimento sexual e psicológico.
Antes de pensar nas músicas, filmes e propagandas, precisamos pensar nas frases corriqueiras que reproduzem valores sobre como devem ser meninos e meninas. A adultização é o ato de inserir a criança no mundo do adulto, estimular na criança comportamentos que não condizem com a sua idade e dar responsabilidades de adultos à criança, encurtando assim a infância. Vemos no cotidiano a repetição desses padrões, e eles impactam a sexualidade dos futuros adolescentes.
Meninos são criados de forma a enfatizar uma suposta virilidade sexual e violência, e meninas para performar beleza — muitas vezes através do consumo — e cuidado com os outros. A violência torna difícil levar os meninos a se desenvolverem como seres sexuais cuidadosos e capazes de manter relacionamentos satisfatórios e afetivos. O consumo e o foco na beleza podem privar meninas de desenvolverem outras habilidades além da vaidade e do consumismo.
A ditadura da beleza invade desde cedo a vida das crianças. Seja por meio de anúncios publicitários, seja via redes sociais, os padrões estéticos são empurrados a nova geração em velocidade assustadora. De acordo com a organização australiana Pretty Foundation, 34% das meninas de 5 anos fazem dieta, enquanto 38% se dizem insatisfeitas com os próprios corpos.
Frases aparentemente inofensivas reforçam esses papeis e influenciam na forma como essas crianças vão se relacionar entre si no futuro. Também é papel do pediatra orientar quanto aos danos que simples comportamentos (como uso de cosméticos por meninas, repressão emocional de meninos) podem causar no futuro.
Educação sexual é uma ferramenta que auxilia as crianças a se protegerem de abuso, mas também é ela que deve embasar a forma como vivenciarão a sexualidade em seus amplos aspectos de forma saudável nas diversas fases da vida.
A adolescência é a fase em que o indivíduo paulatinamente amadurece no que se refere ao desenvolvimento corporal e cognitivo para compreender sobre relações sexuais. Nesse momento devemos reforçar as orientações de prevenção de gestação e ISTs, retomando os conceitos de limite corporal, intimidade e privacidade para que a relação sexual, caso ocorra, seja não só prazerosa, mas também segura para os envolvidos. Segurança envolve conhecimento e autonomia de ambos os envolvidos na relação.
Métodos contraceptivos para adolescentes
Aspectos éticos e legais
Embora as estratégias de prevenção à gravidez na adolescência tenham evoluído, ainda permanecem dúvidas e preconceitos mesmo entre profissionais de saúde. Os que negam contracepção aos adolescentes o fazem não só por desconhecimento técnico, mas com frequência por desaprovação pessoal à atividade sexual nessa fase de vida.
No entanto, o desenvolvimento sexual ocorre nesta fase da vida e é indispensável que o pediatra esteja preparado para orientar adequadamente de modo individualizado. A Academia Americana de Pediatria destaca o papel dos pediatras como de grande importância na prevenção da gestação inoportuna na adolescência. Tal importância advém, conforme mencionado anteriormente, da relação em longo prazo com seus pacientes e familiares, o que facilita a abordagem de temas delicados dentre os quais a sexualidade e a contracepção.
A Constituição Brasileira, no artigo 226, garante o direito ao planejamento familiar livre de coerção, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei No 8069 de 13-07-90) dispõe claramente sobre questões importantes no atendimento de adolescentes que requerem métodos contraceptivos, fundamentados nos direitos de privacidade e confidencialidade.
Os adolescentes têm direito à privacidade, ou seja, de ser atendidos sozinhos, em espaço privado de consulta. Por sua vez, define-se confidencialidade como um acordo entre médico e paciente, onde as informações discutidas durante e depois da consulta não podem ser informadas a seus pais e ou responsáveis sem a permissão expressa do adolescente.
A confidencialidade apóia-se em regras da bioética médica, através de princípios morais de autonomia (artigo103 do Código de Ética Médica). Na versão atualizada em 2009, o Código de Ética Médica no capítulo IX, Art. 74, preserva o princípio de que: “É vedado ao médico revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente”.
Métodos a serem priorizados em adolescentes a barreiras que atrapalham o acesso
Apesar da possibilidade do uso de vários métodos, a realidade demonstra que adolescentes continuam engravidando em situações não programadas, mesmo em países com grande preocupação para com essa faixa etária. É importante lembrar que nem todo adolescente é atendido por especialista, mas todos necessitam de orientação e prescrição.
Portanto, o melhor contraceptivo é aquele de mais fácil acesso, menor custo, baixa dosagem, eficácia, tempo de atuação e possibilidade de reversão. A chegada de um bebê não planejado pode alterar a rotina das famílias de ambos genitores, assim, também devemos orientar jovens do sexo masculino sobre o uso de métodos contraceptivos de suas parceiras e sempre reforçar a necessidade de uso de preservativo para prevenção de ISTs.
Os métodos que dependem do uso correto pela adolescente (como a pílula) apresentam maior número de falhas quando comparados a mulheres adultas. O uso isolado do preservativo para contracepção também tem elevada taxa de falha. Adolescentes frequentemente encontram barreiras ao conhecimento das diferentes opções contraceptivas e ao seu acesso. Elas apresentam menor conhecimento e taxa de utilização de métodos contraceptivos, tendo as mais altas necessidades não atendidas entre todas as faixas etárias. O aconselhamento ajuda a superar a falta de conhecimento, o aconselhamento inadequado anterior, tabus socioculturais, restrições legais e atitudes moralistas.
Métodos de longa ação (LARC) como DIUs e implantes, embora menos populares, são mais eficazes por não dependerem da usuária, o aconselhamento adequado pode aumentar sua aceitação e continuidade entre adolescentes. Apresentar todos os métodos disponíveis, incluindo DIUs e implantes (LARC), é essencial, pois a idade e a nuliparidade isoladamente não contraindicam qualquer método (com exceção dos métodos definitivos). O aconselhamento também deve desmistificar crenças e medos comuns em relação aos métodos, como ganho de peso, necessidade de exames ginecológicos para iniciar métodos hormonais, pausas no uso, ou o efeito na fertilidade.
A garantia da privacidade e o respeito à confidencialidade são fundamentais para o sucesso do atendimento e do seguimento dos pacientes. Essa postura profissional permite abordar temas como sexualidade e uso de contraceptivos sem a presença obrigatória dos responsáveis, garantindo o direito da adolescente à confidencialidade. Em situações específicas, como para métodos de longa ação que necessitam de procedimento, o consentimento do responsável pode ser considerado, mas o aconselhamento da adolescente continua central, inclusive para apoiá-la na decisão perante os pais.
Todos esses aspectos influenciam na relação entre médico e paciente, na adesão ao uso do método contraceptivo e, por consequência, na prevenção eficaz da gravidez na adolescência.
Aspectos psicossociais e familiares
Em relação à família, é importante orientar para que compreendam as especificidades da adolescência e atuem como suporte durante esse desenvolvimento. É preciso mostrar que a adolescência pode ser uma fase desafiadora, mas que é também uma fase potente, na qual descobertas importantes estão ocorrendo e que há a uma segunda possibilidade de criar um vínculo maior com os filhos antes que se tornem adultos independentes.
Os responsáveis devem ser orientados de que, mesmo com o desenvolvimento físico completo e o início da vida sexual, os adolescentes ainda precisam saber que têm um porto seguro — alguém em quem podem confiar e a quem recorrer em caso de dificuldades. Sem a criação dessa relação de confiança, os jovens ficam expostos a riscos físicos e emocionais com os quais ainda não estão prontos para lidar, um exemplo desses riscos é a gestação indesejada e não planejada.
Tabus socioculturais e atitudes moralistas em relação à sexualidade na adolescência ainda são barreiras comuns, mas que precisam ser enfrentadas desde a infância — começando por um questionamento respeitoso aos estereótipos de gênero, como os papéis tradicionalmente atribuídos a 'meninos e meninas', até a promoção do conhecimento sobre o funcionamento dos sistemas reprodutores durante a adolescência.
Adolescentes do sexo masculino também devem ser orientados sobre os métodos contraceptivos. Esse tema deve ser discutido com os responsáveis, pois, mesmo que não sejam os usuários diretos, é fundamental que compreendam seu funcionamento e contribuam para a adesão da parceira.
Conclusão
A prevenção da gravidez na adolescência se inicia muito antes da puberdade e segue até a vida adulta. O aconselhamento de adolescentes deve ser conduzido por profissionais preparados para atendê-los, respeitando seus valores morais, socioculturais e religiosos.
A iniciação sexual é um evento que tende a ocorrer majoritariamente durante a adolescência, gerando necessidades específicas de educação para a sexualidade e contracepção nessa fase, além de esclarecimentos detalhados sobre as infecções sexualmente transmissíveis e a necessidade de sexo seguro. É muito importante reforçar e ampliar o autocuidado, a resiliência, o respeito ao próximo e as informações adequadas sobre a saúde e a sexualidade para ambos os sexos.