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Crupe na infância: diagnóstico e tratamento

O termo “síndrome do crupe” caracteriza um grupo de doenças que variam em envolvimento anatômico e etiologia, e se manifestam clinicamente com os seguintes sintomas: rouquidão, tosse ladrante, estridor predominantemente inspiratório e graus variados de desconforto respiratório. Quando a etiologia dessa síndrome é viral, denomina-se crupe viral. Outras etiologias para síndrome do crupe incluem traqueíte bacteriana e difteria.

A doença pode ser classificada de acordo com o grau de extensão do acometimento das vias aéreas pelos vírus respiratórios. Assim, caso se restrinja à laringe, denomina-se laringite, sendo caracterizada principalmente por rouquidão e tosse ladrante. Se a inflamação comprometer a laringe e a traqueia, é denominada laringotraqueíte, com sintomas característicos de síndrome do crupe. Se houver comprometimento de bronquíolos associado ao de laringe e traqueia, além dos sintomas de crupe, haverá tempo expiratório prolongado e sibilos, caracterizando laringotraqueobronquite.

Do ponto de vista etiológico, o crupe é mais comumente causado por vírus parainfluenza, enquanto a laringite pode ser causada por outros vírus respiratórios ou agentes não infecciosos. Clinicamente, a presença de tosse metálica, estridor e piora noturna são altamente sugestivos de crupe, enquanto a laringite isolada geralmente não cursa com estridor ou obstrução significativa das vias aéreas. Em resumo, todo crupe é uma laringite, mas nem toda laringite é crupe. O crupe é definido por um quadro clínico específico de laringotraqueíte viral com obstrução de vias aéreas superiores, enquanto a laringite é um termo mais geral para inflamação da laringe, com ou sem envolvimento traqueal e sem necessariamente causar obstrução significativa.

Etiologia e fatores predisponentes

A laringotraqueobronquite é a causa mais comum de obstrução de vias aéreas superiores em crianças, respondendo por 90% dos casos de estridor agudo. A doença responde por 1,5% a 6% das doenças do trato respiratório na infância. A etiologia viral do crupe é a mais comum, sendo os principais agentes os vírus parainfluenza (tipos 1, 2 e 3), influenza A e B, e o vírus sincicial respiratório.

Em crianças maiores de 5 anos, tem importância etiológica o
Mycoplasma pneumoniae
. Acomete crianças de 1 a 6 anos de idade, com pico de incidência aos 18 meses, predominantemente no gênero masculino (1,4 a 2 vezes mais comum que no feminino). Embora a maioria dos casos ocorra no outono e inverno, o crupe viral se manifesta durante todo o ano.

Principais tipos de crupe

Laringotraqueíte aguda

A laringotraqueíte aguda geralmente começa com rinorreia, faringite e febre baixa que dura alguns dias. Tosse leve também é frequente. No entanto, após um curto período, geralmente de 12 a 48 horas, sinais e sintomas de obstrução das vias aéreas superiores são observados. A criança desenvolve uma tosse característica, rouquidão e estridor inspiratório, com ou sem febre.

O exame físico revela uma criança com voz rouca, coriza, faringe normal ou levemente inflamada e frequência respiratória ligeiramente aumentada. A velocidade da progressão e o grau de dificuldade respiratória podem variar. A maioria dos casos é caracterizada apenas por rouquidão e tosse seca, sem outros sinais de obstrução das vias aéreas. Esses sintomas normalizam-se gradualmente em 3 a 7 dias.

Em outros casos, é evidente um aumento da gravidade da obstrução, acompanhado por aumento das frequências cardíaca e respiratória, alargamento das narinas e cianose com retrações supra e infraclaviculares e esternais. As crianças afetadas ficam inquietas e ansiosas com o desenvolvimento de hipóxia progressiva e requerem monitoramento rigoroso. A duração da doença em crianças mais gravemente afetadas é geralmente de 7 a 14 dias.

Crupe espasmódica

A crupe espasmódica tende a ocorrer à noite, em crianças pequenas entre 3 meses e 3 anos de idade. Muitas vezes, é difícil distinguir, no início, a laringotraqueíte da crupe espasmódica. A criança pode apresentar sintomas de resfriado e parecer bem. Inicialmente, a criança acorda à noite com dispneia súbita, tosse crupe e um estridor inspiratório. Não há febre, e um pouco de tranquilidade e a administração de ar úmido proporcionam alívio. Os sintomas são resultado de um edema subglótico repentino, e a criança pode ter ataques repetidos na mesma noite e nas três ou quatro noites seguintes. A crupe espasmódica pode ser diferenciada da laringotraqueíte por meio de um exame endoscópico: a mucosa laríngea parece pálida e encharcada na crupe espasmódica, e eritematosa e inflamada na laringotraqueíte aguda. Em geral, esse tipo de avaliação não é realizado na urgência.

Epiglotite

O principal e mais grave diagnóstico diferencial da laringotraqueíte aguda é a epiglotite aguda. É fundamental verificar o histórico de imunização da criança. Desde a introdução da vacina contra o
Haemophilus influenzae
tipo b, os casos de epiglotite diminuíram significativamente. No entanto, como diferentes tipos de
H. influenzae
ocasionalmente podem causar epiglotite, esse diagnóstico não pode ser esquecido. Na epiglotite aguda, os pontos diferenciais importantes no exame clínico são a ausência de tosse rouca, salivação excessiva, aparência tóxica, ansiedade e apreensão crescentes, postura sentada com o queixo empurrado para a frente e recusa em deitar-se e, na inspeção, a presença de uma epiglote vermelho-cereja. Em contraste, a criança com laringotraqueíte aguda terá tosse rouca, ficará confortável em posição supina e estará menos apreensiva.

Radiografias laterais do pescoço e do tórax têm sido usadas para ajudar no diagnóstico, mas geralmente não são recomendadas quando há suspeita de epiglotite devido à condição delicada desses pacientes. Quando há suspeita de epiglotite, o médico deve evitar agitar o paciente, o que poderia agravar o estado respiratório já comprometido da criança, e deve ter os preparativos para a intubação prontamente disponíveis. As radiografias clássicas de uma criança com laringotraqueíte mostram o característico “sinal da torre” ou estreitamento das vias aéreas na área subglótica; na epiglotite, esses filmes demonstram classicamente o “sinal do polegar” da epiglote inchada (Fig. 1 e 2). As radiografias, se realizadas, devem ser usadas como um complemento para ajudar a confirmar o diagnóstico; a inspeção visual da epiglote e a correlação clínica são fundamentais para o diagnóstico.

Figura 1 - Estreitamento subglótico cônico das vias aéreas na radiografia, demonstrando o clássico “sinal da torre” na crupe.

Figura 2 - Radiografia lateral do pescoço mostrando o sinal do polegar duplo com sombra de tecido mole epiglótico (seta preta) e prega ariepiglótica (seta branca).

Laringotraqueíte bacteriana

São casos menos comuns que a crupe espasmódica e a laringotraqueíte aguda. Inicialmente, a criança apresenta sinais e sintomas de laringotraqueíte, com doença leve a moderada nos primeiros 5 a 7 dias, que progride repentinamente para uma doença grave. A gravidade da infecção é devida à superinfecção bacteriana e é sinalizada por um agravamento repentino dos sinais e sintomas clínicos, incluindo o aparecimento de febre, em geral alta, e um aumento no desconforto respiratório.

A criança pode ter aparência toxêmica e apresentar sinais e sintomas de obstrução das vias aéreas superiores e inferiores. Observa-se aumento da frequência respiratória, estertores, chiado no peito e retenção de ar. As radiografias torácicas podem revelar infiltrados pulmonares. A obstrução das vias aéreas geralmente requer intubação ou traqueostomia. Vários casos de laringotraqueobronquite/laringotraqueobroncopneumonite associados à síndrome do choque tóxico foram observados.

Crupe membranoso / Traqueíte bacteriana

A doença combina manifestações clínicas de crupe viral e epiglotite. Após o pródromo viral breve, há aparecimento de tosse ladrante, rouquidão, estridor inspiratório e insuficiência respiratória. A esses sinais de síndrome do crupe grave, associam-se febre alta (superior a 38,5 °C) e toxemia. O paciente com traqueíte bacteriana tem sintomas respiratórios mais prolongados que na epiglotite. O desconforto respiratório pode progredir rapidamente, com obstrução total da via aérea.

Não há resposta terapêutica ao tratamento inicial com epinefrina inalatória e corticosteroides, ajudando a diferenciar o crupe bacteriano do viral. A taxa de mortalidade varia entre 18% e 40% dos pacientes. A morbidade alta associada à traqueíte bacteriana decorre de parada cardiopulmonar ou respiratória, choque séptico, síndrome do choque tóxico, SDRA (Síndrome de Desconforto Respiratório Agudo) e disfunção múltipla de órgãos.

Tratamento da laringite aguda

O objetivo do tratamento é a manutenção das vias aéreas patentes. O paciente deve ser mantido o mais calmo possível, evitando-se a manipulação e exames desnecessários. O choro aumenta a pressão torácica negativa, podendo gerar maior colapso das vias aéreas extratorácicas, e transforma o fluxo de ar laminar em turbulento, aumentando a resistência ao influxo de ar nas vias aéreas. A indicação do tratamento vai depender da gravidade, conforme indicado nas próximas tabelas:

Nebulização

O uso de umidificação do ar com solução fisiológica, com a finalidade de melhorar o influxo de ar, reduzindo a inflamação ou tornando a secreção das vias aéreas mais fluida, permitindo sua melhor eliminação, não tem comprovação científica. A nebulização deve ser desencorajada se a criança se tornar mais agitada com o procedimento.

Corticosteroides

Os corticosteroides comprovadamente reduzem a gravidade dos sintomas, a possibilidade e a duração da hospitalização, a necessidade de admissão em UTI e o uso de adrenalina inalatória. Tem sido recomendado o uso da dexametasona por ser um potente glicocorticoide e ter longo período de ação (maior que 48 horas). Pode ser administrada tanto de forma oral quanto parenteral, em dose única, variando de 0,15 mg/kg (crupe leve) até 0,6 mg/kg (crupe grave). A budesonida inalatória reduz os sintomas de gravidade do crupe, quando comparada ao placebo, e é semelhante à dexametasona nos casos de crupe leve ou moderado, na dose inalatória de 2 mg.

Adrenalina inalatória

Deve ser utilizada em caso de crupe moderado ou grave, ou em crianças com procedimento ou manipulação prévios da via aérea superior (no caso de laringite pós-extubação, por exemplo). A dose para inalação é de 0,5 ml/kg de epinefrina, até dose máxima de 5 ml (5 ampolas) de epinefrina não diluída por dose da mistura do lisômero de epinefrina (1:1000). A epinefrina inalatória tem efeito ultrarrápido nos sintomas do crupe, diminuindo quase que instantaneamente o estridor e os sintomas de falência respiratória. Como o efeito da medicação é breve (2 horas), o paciente pode voltar ao estado de desconforto respiratório inicial após o final da ação dessa droga. O uso repetido da droga é desencorajado.

Em resumo:

Em caso de crupe membranoso (traqueíte bacteriana), o paciente deve ser admitido em UTI. É recomendado realizar a intubação traqueal em centro cirúrgico, com endoscopia. O procedimento promove o diagnóstico e o tratamento da traqueíte bacteriana, e permite a coleta de secreção para análise microbiológica e direcionamento de antimicrobiano. A intubação geralmente é necessária por 3 a 7 dias.

A taxa de internação em UTI é de 94%, de intubação 83%, e, em 28% dos casos, há complicações graves. O cuidado com a cânula traqueal deve ser meticuloso, já que a obstrução desta pelas membranas é comum. Deve ser administrado antibiótico endovenoso para cobertura dos principais agentes, com o uso de cefalosporina de segunda (Cefuroxima) ou de terceira geração (Ceftriaxona) como drogas únicas. Não há benefício no uso de corticosteroides ou epinefrina inalatória nesses casos.

Conclusão

O crupe é uma inflamação súbita da laringe, podendo atingir outras estruturas das vias aéreas. O quadro clínico resulta do edema e da congestão da mucosa laríngea, podendo evoluir para obstrução das vias aéreas superiores, especialmente em crianças pequenas devido ao calibre reduzido da laringe. O diagnóstico é clínico, baseado na história e no exame físico, sendo fundamental a avaliação do grau de obstrução das vias aéreas. O manejo inclui suporte ventilatório, administração de corticosteroides (como budesonida inalatória ou dexametasona sistêmica) para reduzir o edema e, em casos selecionados, nebulização com adrenalina.