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Avaliação de perda de peso involuntária

Perda de peso involuntária (PPI) é uma situação comum na prática clínica, em especial em atendimentos ambulatoriais. Estes quadros apresentam-se como um desafio para o clínico, já que trata-se de uma queixa que pode estar associado com uma lista extensa de potenciais causas, algumas delas graves e ameaçadoras a vida. Adiciona-se a essa complexidade o fato que muitos pacientes não possuem sinais ou sintomas localizatórios, dificultando a investigação.

A definição de PPI é a redução de pelo menos 5% de peso corporal no intervalo de 6 meses na ausência de tratamento ou doença que justifique. Apesar de arbitrária, trata-se de uma definição consagrada pelo uso. Essa definição deve ser diferenciada de caquexia e sarcopenia. Caquexia é a perda de massa muscular relacionada a progressão de uma doença crônica de base. Já a sarcopenia é uma síndrome geriátrica em que há perda de musculatura, força e funcionalidade.

Prevalência varia marcadamente dependendo do contexto e faixa etária considerada. Em adultos, estima-se que 5% apresentarão emagrecimento involuntário nos 12 meses subsequentes. Já em pessoas acima dos 65 anos, a queixa é esperada em até 20% ao longo de 5 anos. Os principais fatores de risco para o quadro são idade, tabagismo e autopercepção negativa do estado de saúde.

Causas de perda de peso involuntária

A principal preocupação em pessoas com emagrecimento sem tratamento ou doença de base que justifique é a identificação da causa. Com essa informação é possível planejar o tratamento e definir prognóstico para o quadro. Além disso, costuma-se a dar especial atenção a causas neoplásicas, pelo prognóstico usualmente pior.

As estimativas são bastante variadas, mas sugerem que malignidades são identificadas em 15 a 35% dos casos; proporção semelhante de pacientes tem uma doença sistêmica não neoplásica identificada. Transtornos psiquiátricos estão presentes em 10 a 20% dos indivíduos com PPI, enquanto até 25% dos casos permanecem sem causa definida. Na
Tabela 1
apresentamos um resumo de causas de emagrecimento espontâneo em adultos. Mais importante para prática clínica é o fato de que PPI está de que o risco de diagnóstico de câncer é aumentado nos primeiros 3 a 6 meses do início do sintoma; após isso esse risco fica semelhante da população em geral. Apesar da prevalência de PPI ser semelhante entre homens e mulheres, homens tem mais chance de serem diagnosticados com câncer.

Tabela 1.
Causas de perda ponderal involuntária. Extraído e adaptado da referência 1.

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Um estudo avaliou a mortalidade de acordo com o grupo de causas de PPI. Pacientes com neoplasias apresentaram risco de morte de até 80% em 2 a 3 anos. Entre os que tiveram

causas não neoplásicas identificadas, a mortalidade foi de 20%. O dado mais relevante, porém, é que aqueles sem diagnóstico definido após a investigação inicial tiveram uma taxa de mortalidade significativamente menor, de apenas 8% no mesmo período.

Em idosos existem peculiaridades da perda ponderal. Sugerimos a leitura da referência 4 para uma discussão pormenorizada. De forma resumida, deve-se estar atento a etiologias e eventos de saúde mais comuns e típicos desta faixa etária. Os “9 Ds” são uma forma simples mas eficaz de estar atento a isso:

1. Demência

2. Dentição

3. Depressão

4. Diarréia

5. Doenças agudas (novas) ou crônicas

6. Drugs – efeitos de medicamentos

7. Disfunção – perda de funcionalidade

8. Disgeusia

9. Disfagia

Entrevista e exame físico

Como ocorre na maioria das situações clínicas, a entrevista é o principal recurso diagnóstico. O primeiro passo é revisar registros e a “história ponderal”, uma vez que até 50% dos pacientes relatando PPI não tem perda objetiva de peso ao se revisar o prontuário. Além disso, perda de peso recente em uma pessoa cujo peso esteve estável por muitos anos, assim como perda de peso progressiva, são situações mais preocupantes. Sintomas sugestivos de transtorno alimentar incluem restrição alimentar com baixo peso corporal, medo intenso de engordar, percepção distorcida do corpo, episódios de compulsão alimentar e comportamentos compensatórios como vômitos autoinduzidos.

A revisão de sistemas também é uma grande ferramenta para indicar um caminho para a etiologia da PPI. Em especial, devem ser buscados sintomas gastrointestinais (como dor abdominal, náuseas, vômitos, disfagia, diarreia e sangramentos digestivos), manifestações de má absorção (esteatorreia, perda muscular, diarreia aquosa e sinais de deficiência nutricional), sintomas sugestivos de neoplasias (sudorese noturna, febre, fadiga). Ferramentas de rastreio de doenças psiquiátricas também são úteis. Investigar ativamente medicamentos e questões sociais também são partes fundamentais da avaliação.

A grande maioria de causas de PPI cursa com redução do apetite. Assim, a ausência de anorexia diminui marcadamente a lista de diagnósticos diferenciais. Nesta situação, hipertireoidismo, diabetes mellitus descompensado e bulimia nervosa se destacam. Outra dica é avaliar se o quadro de PPI para o estágio da doença ou dose do medicamento. Como exemplo, na doença renal crônica, emagrecimento é um evento esperado quando a taxa de filtração glomerular baixa de 15 ml/min. Assim, em uma pacientes em estágios mais iniciais da doença, deve-se buscar outras causas de PPI antes de atribuir a PPI à doença renal.

Já no exame físico, achados anormais estão fortemente associados a causas orgânicas, especialmente neoplasias, e são raros em quadros psiquiátricos ou sem diagnóstico definido. Assim, alterações neurológicas ou cognitivas, sinais de hipertireoidismo, linfonodos aumentados, achados abdominais (como massas, ascite ou hepatoesplenomegalia), entre outros, podem auxiliar para dirigir a investigação.

Um estudo inglês, com dados de mais de 300 mil pacientes da atenção primária deste país investigou os principais achados associados com diagnóstico de câncer em pessoas com PPI. Sinais como massa retal, icterícia, massa abdominal e alterações pulmonares ou prostáticas aumentam fortemente a suspeita de malignidade. Já entre os sintomas, disfagia, vômitos persistentes, prurido e sintomas gastrointestinais como inchaço e dispepsia também se destacam como alertas clínicos para investigação de câncer.

Avaliação complementar – integrando tudo

O primeiro passo da avaliação complementar é buscar esclarecer eventuais achados alterados da história e do exame físico. Mesmo que não sejam específicos em alguns casos, eles pode localizar o sistema ou órgão mais provavelmente alterado. Entretanto, em alguns pacientes mesmo a mais cuidadosa avaliação clínica não permite direcionar hipóteses. Nestes casos, é consenso recomendar uma investigação complementar.

O conjunto de exames recomendados varia de referência para referência. Alguns estudos individuais sugerem que LDH, proteína C reativa, hemoglobina e albumina tem a melhor sensibilidade; ou seja, se normais, descartariam doença orgânica.

Na maioria dos pacientes sem causa identificada para a PPI, solicita-se:

  • Hemograma completo com diferencial;
  • Eletrólitos (incluíndo cálcio);
  • Glicemia, hemoglobina glicada e TSH;
  • Função renal e exame comum de urina;
  • Função hepática (aminotransferases, fosfatase alcalina, LDH, bilirrubinas, albumina);
  • Velocidade de hemossedimentação (VHS) e/ou proteína C reativa (PCR);
  • Sorologia para HIV e HCV;
  • Exame de imagem de tórax: radiografia ou tomografia, de acordo com suspeita e gravidade presumida;
  • Exames de rastreamento oncológico apropriados para idade (como colonoscopia, mamografia)

A
Figura 1
apresenta um resumo da abordagem. De forma sumarizada, achados alterados (na história, exame físico ou exames complementares) devem ser investigados. Caso nada seja identificado, recomenda-se uma conduta expectante por um período de 1 a 6 meses, o que parece ser seguro. No seguimento, deve-se reavaliar fatores dietéticos, causas psicossociais, uso oculto de substâncias e possíveis manifestações de doenças ocultas. Caso a perda de peso continue de forma progressiva e documentada, deve-se revisar e progredir na investigação.

Figura 1.
Abordagem de paciente com perda ponderal involuntária. Adaptado da referência 1.