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Infecções de corrente sanguínea relacionadas a cateter venoso central

Infecções primárias de corrente sanguínea relacionadas a cateter central (IPCSrc) são um problema de magnitude elevada. São associadas a cuidados de saúde, especialmente em internações e em unidades de terapia intensiva. No Brasil estima-se mais de 80 mil casos anuais. Dados mundiais indicam que estratégias de prevenção e controle são capazes de reduzir a sua incidência.

Os principais fatores de risco para IPCSrc incluem fatores do paciente, como imunossupressão, doenças crônicas e uso de nutrição parenteral total. Aspectos relacionados ao procedimento também são relevantes, como a duração da cateterização, cuidados com o sítio de inserção e técnica asséptica durante a colocação. O risco é menor em cateteres inseridos na veia subclávia em comparação com aqueles na veia femoral ou jugular. ateteres com múltiplos lúmens apresentam maior risco.

Como veremos a seguir, por definição, as IPCSrc ocorrem após 48 horas de uso do dispositivo, sendo mais frequentemente identificadas entre o 12º e o 26º dia de internação. A infecção pode ter quatro origens principais: colonização da pele, contaminação do lúmen, disseminação hematogênica ou contaminação da solução infundida (mais raro).

Nesta postagem veremos as definições deste tipo de infecção em adultos, quadro clínico, como fazer o diagnóstico e o manejo.

Definição

De acordo com a agência nacional de vigilância sanitária (ANVISA), infecção primária de corrente sanguínea laboratorialmente confirmada associada a cateter central se dá quando:

  • O paciente está em uso de cateter central por um período maior que dois dias consecutivos e que na data da infecção o paciente estava em uso do dispositivo ou este havia sido removido no dia anterior;
  • O paciente apresenta microrganismo isolado em amostra sanguínea (seja cultura ou outra técnica). Porém existem alguns detalhamentos a depender do tipo de germe (bactéria ou fungo):
    • Se o germe é
      patogênico
      (ou seja, não é contaminante da pele - comensal¹), cuja origem dos mesmos não está relacionada a nenhum outro foco de infecção;
    • Se o germe é
      contaminante da pele
      (também chamado de comensal¹), o paciente não pode ter outro foco de infecção, ele deve ter sido identificado em duas ou mais hemoculturas coletadas dentro de 24 horas e deve ter algum sintoma sugestivo (temperatura >38°C, calafrios ou hipotensão);
  • O organismo identificado não está relacionado a infecção em outro sítio.

IPCSrc são marcadores de qualidade da assistência hospitalar e doenças de notificação. Assim, elas fazem parte do programa de vigilância das infecções relacionadas à assistência à saúde. Por outro lado, apesar da sua utilidade, vale lembrar que eles tem função epidemiológica e não são critérios clínicos. Assim, são úteis para normatizar notificações e monitoramento, mas não para decisão de tratamento.

¹ A lista completa dos microrganismos contaminantes de pele (comensais) pode ser consultada
neste link.

Avaliação clínica

No cuidado de pacientes utilizado cateteres venosos centrais deve-se examinar sistematicamente o sítio de inserção. Inflamação ou presença de secreção purulenta no local de inserção do cateter sugerem fortemente o diagnóstico (especificidade acima de 90%), apesar de ser um achado pouco sensível. Outro achado sugestivo é presença de disfunção do cateter. Além de achados locais, é essencial avaliar sinais sistêmicos, como confusão mental, hipotensão, taquicardia, taquipneia para que se identifique pacientes com sepse precocemente.

Em pacientes com cateteres há mais de 48 horas com achados no local de inserção ou manifestações de sepse deve-se suspeitar de IPCSrc.
Nesses casos, recomenda-se coletar hemoculturas, preferencialmente antes do início da antibioticoterapia.

Caso o crescimento de microrganismos confirme a presença de bacteremia, é fundamental investigar outras fontes possíveis de infecção. A avaliação deve começar com a história clínica e depois se seguir de exames complementares conforme necessidade, buscando sinais que sugiram foco alternativo. Além disso, alguns patógenos (como o S. Aureus), exigem investigações específicas.

Melhora clínica dentro de 24 horas após a retirada do cateter é sugestiva de infecção relacionada ao dispositivo, embora esse achado não seja suficiente para confirmação diagnóstica. De forma análoga, nos casos em que os sinais de sepse surgem abruptamente após a infusão, deve-se considerar a possibilidade de contaminação da solução infundida.

Na avaliação destes pacientes também deve-se estar atento a sinais que podem surgir de complicações da infecção de corrente sanguínea:

  • Tromboflebite séptica
    ocorre com a formação de trombo venoso com inflamação e infecção persistente, geralmente que se manifesta por febre, dor local e risco de embolia pulmonar séptica;
  • Endocardite infecciosa
    deve ser suspeitada nos pacientes com bacteremia prolongada ou na presença de sopro novo ou eventos embólicos;
  • Infecções osteoarticulares
    à distância podem ocorrer por disseminação bacteriana para articulações, ossos ou próteses e se manifestam com dor localizada e sinais inflamatórios na região acometida.

Diagnóstico

A coleta adequada de hemoculturas é fundamental para o diagnóstico de IPCSrc. O preconizado é a coleta de dois pares de amostras de sangue, por punções venosas periféricas distintas, antes do início da antibioticoterapia. Quando isso não for possível, uma amostra pode ser colhida da veia periférica e outra diretamente do cateter. Por outro lado, deve-se evitar coletas apenas do cateter, uma vez que há risco elevado de contaminação com microrganismos da pele, o que reduz a especificidade do exame.

Para melhorar a confiabilidade no diagnóstico, pode-se comparar o tempo de crescimento das culturas periféricas e do cateter. Positivação 2 horas (ou mais) antes no cateter central sugere IPCSrc. Entretanto, a acurácia desta estratégia é questionável em alguns contextos.

A cultura da ponta do cateter não é mais recomendada na prática clínica, uma vez que tem baixa acurácia.

Ao interpretar os resultados, é útil se apoiar nas definições de caso (vide acima) e na presença e gravidade dos sintomas.
A presença de bactérias tipicamente patogênicas (por exemplo, S. Aureus, enterococos, bacilos entéricos gram-negativos, candida) em uma ou mais amostras é altamente sugestiva de IPCSrc. Já para microrganismos comensais, são necessários ao menos dois frascos positivos para confirmar infecção.
Para este segundo tipo de germes, quando somente a amostra do cateter é positiva, a hipótese de colonização deve ser considerada. Nos raros casos de suspeita de contaminação da solução infundida, a solução deve ser cultivada para confirmar a presença de microrganismos.

Manejo

O manejo de pacientes com IPCSrc se baseia em duas intervenções: antibiótico e retirada do cateter. Em pacientes clinicamente estáveis, a antibioticoterapia pode ser adiada até a obtenção dos resultados das hemoculturas. Já em casos com sinais de instabilidade clínica, recomenda-se iniciar tratamento empírico logo após a coleta das culturas.

A retirada do cateter é ainda mais importante para pessoas com infecções por
S. Aureus, P. Aeruginosa
, bactérias gram-negativas resistentes, candida, micobactérias, sepse, complicações da bacteremia e falha após 72 horas de antibiótico. A reinserção deve ocorrer apenas após dois a três dias de antibioticoterapia, com estabilidade hemodinâmica e hemoculturas negativas por pelo menos 48 a 72 horas (cinco dias em candidemia), sem sinais de complicações. Se a retirada do cateter não for possível (coagulopatia, falta de acesso) deve-se avaliar terapias alternativas como bloqueio com antibiótico (preencher as vias do cateter com antimicrobiano) e/ou troca guiada por guia.

O tratamento antimicrobiano empírico deve ser sempre orientado conforme dados e recomendações locais. Para a maioria dos casos, é raro não se iniciar cobertura ampla para gram-positivos e negativos associado à vancomicina. Isso significa que esquemas iniciais (até resultados das hemoculturas) usualmente envolvem cefalosporina de terceira ou quarta geração ou beta-lactâmico com inibidor da beta-lactamase associados com vancomicina. Outros ajustes, como associação com aminoglicosídeo, polimixina, daptomicina ou cobertura para fungos devem levar em conta dados da instituição e fatores do paciente.