Uso de anticoagulantes: cuidados pela enfermagem

A principal causa de morbimortalidade no mundo são as doenças cardiovasculares e, dentre elas, destacam-se os eventos tromboembólicos. O tromboembolismo venoso (TEV) é a terceira causa de mortalidade cardiovascular, atrás apenas do infarto do miocárdio e do acidente vascular cerebral, afetando pacientes de diversas populações, inclusive a pediátrica.
A trombose venosa profunda (TVP) é a manifestação mais prevalente de TEV, e sua forma mais grave é o tromboembolismo pulmonar (TEP) agudo. Em ambas as situações, o tratamento principal consiste em anticoagulação plena, que visa, basicamente, à redução de recorrência.
Importância do uso de anticoagulantes na prática clínica
Anticoagulantes podem ser usados para tratar coágulos sanguíneos ou, em condições em que o risco de coágulos sanguíneos é aumentado, para reduzi-lo. Exemplos de condições em que anticoagulantes podem ser usados incluem:
- Fibrilação atrial;
- Trombose venosa profunda (TVP);
- Cirurgia de substituição de quadril ou joelho;
- Acidente vascular cerebral isquêmico;
- Infarto do miocárdio (ataque cardíaco);
- Embolia pulmonar;
- Angina instável.
Pela complexidade no gerenciamento da terapêutica, problemas com a adesão à terapia medicamentosa e orientações de hábitos relacionados à adequação do uso do anticoagulante oral pelos pacientes, as grandes variações no INR durante o tratamento podem determinar o desequilíbrio nos mecanismos de hemostasia, apontando condições de hipocoagulabilidade ou hipercoagulabilidade, sendo necessário o acompanhamento ambulatorial rigoroso, o que se torna premissa dentro da anticoagulação oral, pelo impacto na qualidade de vida e risco de sangramento dos usuários.
Possíveis efeitos colaterais da terapia anticoagulante
Os efeitos colaterais mais comuns associados aos anticoagulantes incluem:
- Sangramentos;
- Efeitos gastrointestinais como diarreia, azia, náusea e perda de apetite;
- Irritação e dor no local da injeção (apenas anticoagulantes injetáveis);
- Elevações nas enzimas hepáticas;
- Falta de ar.
Principais anticoagulantes e suas indicações
Os anticoagulantes podem ser classificados em anticoagulantes parenterais, anticoagulantes orais diretos (AODs) e anticoagulantes orais tradicionais (antagonistas da vitamina K), além de inibidores do fator Xa e inibidores da trombina.
Os anticoagulantes parenterais incluem heparina não fracionada e heparina de baixo peso molecular. Os AODs incluem inibidores diretos da trombina e inibidores do fator Xa. Os antagonistas da vitamina K, como a varfarina, são um grupo de anticoagulantes orais tradicionais.
O controle da Terapia com Anticoagulantes Orais (T-ACO) é realizado pela monitorização do RNI (Razão Normatizada Internacional), que, basicamente, é o índice padronizado mundialmente derivado do tempo de protrombina (TP) sobre o tempo de protrombina normal (TMPN), expresso pela fórmula: INR = (TP/TMPN).
Neste contexto, a estabilidade dos níveis de RNI está relacionada com fatores intervenientes no uso do medicamento, como interações medicamentosas, uso adequado da medicação, hábitos alimentares, procedimentos invasivos, condições clínicas, nível de cognição, emocionais e psicológicos, que são fatores considerados para adesão ao tratamento. Por essa razão, manter-se na faixa terapêutica pode ser um grande desafio ao paciente e aos profissionais envolvidos nessa terapia.
Heparina, varfarina e novos anticoagulantes orais (NOACs)
O
American College of Chest Physicians
(ACCP) recomenda, para fins didáticos, a divisão dos períodos de tratamento de TEV em três: um período inicial, a partir do diagnóstico até o sétimo dia, no qual é classicamente empregado um anticoagulante endovenoso (heparina não fracionada) ou subcutâneo (enoxaparina, nadroparina, dalteparina, tinzaparina ou fondaparinux). Subsequentemente, há um período chamado de longa duração, no qual ocorre a transição da terapia i.v./s.c. para a terapia oral, devendo essa ser mantida por pelo menos 3 meses. As drogas mais estudadas nessa condição são os antagonistas da vitamina K, sendo a varfarina a principal representante dessa categoria de medicamentos.
A heparina é um anticoagulante que impede a formação de coágulos sanguíneos, atuando principalmente na inativação da trombina e do fator X ativado (fator Xa), essenciais na cascata da coagulação. Ela faz isso através da ativação da antitrombina (AT), uma proteína que inibe a trombina e o fator Xa, aumentando assim a atividade anticoagulante da AT. A heparina pode ser de baixo ou alto peso molecular, com diferenças na forma como inibe a coagulação e na sua aplicação clínica. Pode ser administrada por via parenteral (intravenosa ou infusão venosa) ou por via subcutânea. Quando administrada por via intravenosa, a ação é imediata. Após administração intravenosa, a disponibilidade do medicamento é imediata, não ocorrendo processo de absorção.
A varfarina produz seu efeito ao interferir na conversão cíclica da vitamina K e do seu 2,3-epóxido, bloqueando a síntese de fatores de coagulação dela dependentes (fatores II, VII, IX e X). Assim, seu efeito anticoagulante não acontece até que os fatores já presentes na circulação sejam metabolizados, processo que leva tipicamente de 36 a 72 h. Durante os primeiros dias do tratamento com varfarina, o alargamento do tempo de protrombina reflete apenas a perda do fator VII (cuja meia-vida é de 5 a 7 h), e não representa anticoagulação adequada, já que a via intrínseca da coagulação permanece funcional.
Essa, para ser adequadamente bloqueada, requer cerca de 5 dias (daí a recomendação da ACCP da manutenção de terapia anticoagulante i.v./s.c. durante esse período). Após 3 meses, ao final do período de longa duração, haveria a reavaliação da necessidade da manutenção da terapia anticoagulante, por um período chamado agora de prolongado, a ser mantido enquanto o benefício da anticoagulação (prevenção de recorrência de TEV) superar o potencial prejuízo (risco de sangramento). O tratamento dos períodos de longa duração e prolongado com varfarina já demonstrou ser eficaz para prevenir a recorrência de TEV.
Alguns inconvenientes do uso da varfarina são as múltiplas interações dietéticas e medicamentosas associadas a seu uso, assim como sua interferência na qualidade de vida do paciente e o manejo trabalhoso para os profissionais, o que acaba implicando um uso subótimo da medicação, dado o temor de eventos adversos.
Os novos anticoagulantes orais (NOACs), também conhecidos como anticoagulantes orais diretos (DOACs), são medicamentos que atuam diretamente em fatores específicos da cascata de coagulação sanguínea. Eles oferecem uma alternativa aos antagonistas da vitamina K (AVKs), como a varfarina, e possuem vantagens como a não necessidade de monitoramento do INR, além de propriedades farmacológicas mais favoráveis. Principais NOACs e seus mecanismos de ação:
- Dabigatrana: inibidor direto da trombina, um dos fatores de coagulação.
- Rivaroxabana, Apixabana, Edoxabana: inibidores diretos do fator Xa, outro fator importante na cascata de coagulação.
Cuidados de enfermagem na administração de anticoagulantes
Vias de administração e técnicas seguras
A aplicação de anticoagulantes, quando injetáveis, é feita por via subcutânea, geralmente na região abdominal, com a prega de pele. A agulha deve ser inserida reta e o medicamento injetado lentamente, seguindo as instruções médicas sobre a frequência e o horário das aplicações.
A administração de anticoagulantes orais envolve a ingestão de comprimidos ou cápsulas com água, normalmente no mesmo horário todos os dias. É crucial seguir as instruções do médico sobre a dosagem e o horário de administração, bem como não interromper o tratamento sem a orientação médica.
Os cuidados de enfermagem com anticoagulantes incluem, além da orientação aos pacientes sobre o uso correto do medicamento, a prevenção de sangramentos, o monitoramento dos níveis de anticoagulação e atenção a possíveis interações medicamentosas. É importante que os enfermeiros promovam a adesão ao tratamento, educando os pacientes sobre a importância de seguir as orientações médicas e o impacto dos anticoagulantes na sua saúde.
Monitoramento de pacientes em uso de anticoagulantes
Devido à sua ação, há sempre o risco de sangramento grave com anticoagulantes, especialmente em pessoas com fatores de risco, como ulceração ativa, distúrbios hemorrágicos, acidente vascular cerebral hemorrágico, cirurgias, doença renal ou pessoas que tomam medicamentos que também aumentam o risco de sangramento.
Uma intervenção de enfermagem relevante para esses eventos é o exame do sistema tegumentar, que visa buscar sinais de hemorragias, a fim de detectar presença de equimoses e/ou hematomas e verificar se há existência de petéquias, indicando possíveis sangramentos antecipadamente.
Qualquer sangramento que não cesse ou outros sinais, como sangramento nasal persistente, sangue na urina ou nas fezes, sangramento menstrual intenso ou tosse com sangue, devem ser investigados mais detalhadamente.