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Transtorno de Estresse Pós-Traumático: diagnóstico e critérios do DSM-5

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma condição mental complexa, frequentemente crônica e incapacitante, que pode afetar expressivamente a vida de quem a experiencia. Seu diagnóstico foi inserido pela primeira vez em 1980, na terceira edição do DSM (DSM-III). O TEPT pressupunha uma relação direta entre um evento traumático — como combate, violência sexual ou um acidente grave e o aparecimento dos sintomas. Assim, diferente de outros transtornos, exigia a presença de um estressor traumático como condição prévia para a avaliação diagnóstica. (Foa & International Society for Traumatic Stress Studies, 2009) 

A quinta edição do DSM trouxe uma mudança no modo como os pesquisadores passaram a reconhecer a heterogeneidade da resposta humana ao estresse. Ao inaugurar uma classe diagnóstica, os transtornos relacionados a trauma e a estressores, o manual modifica a antiga classificação do DSM-IV, no qual o TEPT estava agrupado sob o guarda-chuva dos transtornos de ansiedade. (Roberts, 2014) 

O TEPT não se apresenta de forma única. Sua característica essencial é o desenvolvimento de sintomas variados após a exposição a um ou mais eventos potencialmente traumáticos. Em algumas pessoas, predominam os sintomas de revivência do medo, frequentemente acompanhados de reações emocionais e comportamentais intensas. Em outras, o que mais pesa são os estados de humor anedônicos ou disfóricos, entrelaçados a cognições negativas persistentes. Há quem manifeste, de maneira mais evidente, um quadro marcado por excitação e sintomas reativos externalizantes. Em certos casos, os sintomas dissociativos ocupam o primeiro plano da experiência. E, não raramente, essas diferentes manifestações se combinam de muitas formas, revelando a complexidade do sofrimento traumático em sua forma mais plural. (American Psychiatric Association, 2022) 

 

Critérios diagnósticos conforme o DSM-5  

Critérios Diagnósticos F43.10
 

Transtorno de Estresse Pós-traumático em Indivíduos com mais de 6 anos
 

Nota:
Os critérios a seguir aplicam-se a adultos, adolescentes e crianças acima de 6 anos. 

  •  A. Exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual em uma (ou mais) das seguintes formas:  
  1. Vivenciar diretamente o evento traumático. 
  2. Testemunhar pessoalmente o evento ocorrido a outras pessoas. 
  3. Saber que o evento traumático ocorreu com um familiar ou amigo próximo. Nos casos de episódio concreto ou ameaça de morte envolvendo um familiar ou amigo, é preciso que o evento tenha sido violento ou acidental. 
  4. Ser exposto de forma repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento traumático (p. ex., socorristas que recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a detalhes de abuso infantil). 

Nota:
O Critério A4 não se aplica à exposição por meio de mídia eletrônica, televisão, filmes ou fotografias, a menos que tal exposição esteja relacionada ao trabalho. 

 

  • B. Presença de um (ou mais) dos seguintes sintomas intrusivos associados ao evento traumático, começando depois de sua ocorrência: 
  1. Lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático. 
    Nota:
    Em crianças acima de 6 anos pode ocorrer brincadeira repetitiva na qual temas ou aspectos do evento traumático são expressos. 
  2. Sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e/ou o sentimento do sonho estão relacionados ao evento traumático.
    Nota:
    Em crianças, pode haver pesadelos sem conteúdo identificável. 
  3. Reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente. (Essas reações podem ocorrer em um continuum, com a expressão mais extrema na forma de uma perda completa de percepção do ambiente ao redor.) Nota: Em crianças, a reencenação específica do trauma pode ocorrer nas brincadeiras. 
  4. Sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático. 
  5. Reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático. 

 

C. Evitação persistente de estímulos associados ao evento traumático, começando após a ocorrência do evento, conforme evidenciado por um ou ambos dos seguintes aspectos: 

  1. Evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático. 
  2. Evitação ou esforços para evitar lembranças externas (pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos, situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou associados de perto ao evento traumático. 

D. Alterações negativas em cognições e no humor associadas ao evento traumático começando ou piorando depois da ocorrência de tal evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 

  1. Incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento traumático (geralmente devido à amnésia dissociativa, e não a outros fatores, como traumatismo craniano, álcool ou drogas). 
  2. Crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo (p. ex., “Sou mau”, “Não se deve confiar em ninguém”, “O mundo é perigoso”, “Todo o meu sistema nervoso está arruinado para sempre”). 
  3. Cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento traumático que levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros. 
  4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha). 
  5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas. 
  6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros. 
  7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (p. ex., incapacidade de vivenciar sentimentos de felicidade, satisfação ou amor). 

E. Alterações marcantes na excitação e na reatividade associadas ao evento traumático, começando ou piorando após o evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos: 

  1. Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação) geralmente expressos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos. 
  2. Comportamento imprudente ou autodestrutivo. 
  3. Hipervigilância. 
  4. Respostas de sobressalto exageradas. 
  5. Problemas de concentração. 
  6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou sono agitado). 

 

F. A perturbação (Critérios B, C, D e E) dura mais de um mês. 

 

G. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. 

 

H. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p.ex., medicamento, álcool) ou a outra condição médica. 

 

Determinar
o subtipo: 

Com sintomas dissociativos:
Os sintomas do indivíduo satisfazem os critérios de transtorno de estresse pós-traumático, e, além disso, em resposta ao estressor, o indivíduo tem sintomas persistentes ou recorrentes de: 

  1. Despersonalização:
    Experiências persistentes ou recorrentes de sentir-se separado e como se fosse um observador externo dos processos mentais ou do corpo (p. ex., sensação de estar em um sonho; sensação de irrealidade de si mesmo ou do corpo, ou como se estivesse em câmera lenta). 
  2. Desrealização:
    Experiências persistentes ou recorrentes de irrealidade do ambiente ao redor (p. ex., o mundo ao redor do indivíduo é sentido como irreal, onírico, distante ou distorcido). 

Nota:
Para usar esse subtipo, os sintomas dissociativos não podem ser atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., apagões, comportamento durante intoxicação alcoólica) ou a outra condição médica (p. ex., convulsões parciais complexas). 

 

Especificar se:
 

Com expressão tardia:
Se todos os critérios diagnósticos não forem atendidos até pelo menos seis meses depois do evento (embora a manifestação inicial e a expressão de alguns sintomas possam ser imediatas). 

 

Considerações clínicas 

Comorbidades

Indivíduos com TEPT têm maior probabilidade de apresentar comorbidades com outros transtornos mentais, como transtornos depressivos, bipolares, de ansiedade ou por uso de substância, além de maior risco para transtorno neurocognitivo maior. Estudos indicam que mulheres são mais propensas a desenvolver TEPT após um traumatismo cranioencefálico (TCE). Em crianças pequenas, as comorbidades mais frequentes incluem transtorno de oposição desafiante e transtorno de ansiedade de separação. 

Diagnóstico diferencial 

O processo de diagnóstico diferencial no DSM-5 pode ser dividido em seis etapas básicas (First, 2014): 

  1. Excluir Simulação e Transtorno Factício; 
  2. Excluir etiologia relacionada ao uso de substâncias; 
  3. Excluir uma condição médica etiológica; 
  4. Determinar qual é (ou quais são) o(s) transtorno(s) primário(s); 
  5. Diferenciar o Transtorno de Ajustamento das categorias residuais (ou seja, “Outros Transtornos Especificados” e “Transtorno Mental Sem Outra Especificação”); 
  6. Estabelecer a fronteira com a ausência de transtorno mental. 

No que se refere ao TEPT, o diagnóstico exige exposição a um evento traumático conforme o Critério A, o que o distingue de outros quadros com sintomas semelhantes. A seguir, descrevemos os principais transtornos que devem ser observados ao realizar o diagnóstico diferencial no TEPT: 

  • Transtorno de adaptação:
     ocorre em resposta a estressores de qualquer tipo ou gravidade. É diagnosticado quando a experiência não atende ao Critério A do TEPT ou quando os sintomas são insuficientes para esse diagnóstico. 
  • Em 
    outros transtornos ou condições pós-traumáticas
    , a psicopatologia pode surgir após eventos extremos, mas nem sempre configura TEPT. Nesses casos, se os sintomas atenderem melhor aos critérios de outro transtorno (como 
    amnésia dissociativa
    , por exemplo), esse deve ser priorizado ou diagnosticado em comorbidade. 
  • O 
    transtorno de estresse agudo
     se diferencia do TEPT principalmente pela duração: seus sintomas duram entre 3 dias e 1 mês após o evento traumático. Para o diagnóstico do TEPT, os sintomas precisam ser superiores a um mês. 
  • Transtornos de ansiedade e o  transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
     compartilham alguns sintomas com o TEPT, como pensamentos intrusivos, mas esses não estão ligados a eventos traumáticos específicos. Além disso, o TOC costuma envolver compulsões, ausentes no TEPT. 
  • Transtorno de ansiedade de separação
    , 
    transtorno de ansiedade generalizada
     e 
    transtorno de pânico
     têm sintomas que podem lembrar os do TEPT, mas não estão necessariamente relacionados a um trauma. 
  • Transtorno depressivo maior
     pode ocorrer com ou sem trauma prévio e não inclui os sintomas nucleares dos Critérios B e C do TEPT. Se ambos os diagnósticos forem atendidos, podem coexistir. 
  • Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)
     e TEPT podem compartilhar dificuldades de atenção e concentração. No TDAH, os sintomas se iniciam antes dos 12 anos; no TEPT, surgem após o trauma. 
  • Nos 
    transtornos de personalidade
    , as dificuldades interpessoais são persistentes e não necessariamente relacionadas ao trauma. Já no TEPT, essas dificuldades podem surgir ou piorar após o evento. 
  • Transtornos dissociativos
     (amnésia dissociativa, transtorno dissociativo de identidade, despersonalização-desrealização) podem ocorrer com ou sem trauma. Se os critérios para TEPT forem preenchidos, o subtipo “com sintomas dissociativos” pode ser indicado. 
  • Transtorno de sintomas neurológicos funcionais (transtorno conversivo)
     pode compartilhar sintomas somáticos com o TEPT, mas este último se insere num contexto pós-traumático claro. 
  • Transtornos psicóticos
    , como esquizofrenia ou transtorno psicótico breve, podem envolver alucinações ou delírios, que devem ser diferenciados dos flashbacks do TEPT — estes são vivências ligadas diretamente ao trauma e por ocorrem na ausência de outros aspectos psicóticos ou induzidos por substância. 
  • A 
    lesão cerebral traumática: traumatismo cranioencefálico (TCE)
     pode ocorrer junto ao TEPT, especialmente em contextos de violência ou acidentes. Ambas as condições podem apresentar sintomas semelhantes (como dificuldades cognitivas ou problemas de memória), mas a origem e natureza desses sintomas são distintas: no TCE, há disfunção neurológica; no TEPT, predominam os mecanismos psicológicos, como a amnésia dissociativa. A presença de revivência e esquiva favorece o diagnóstico de TEPT, enquanto confusão persistente e desorientação são mais comuns no TCE.  

Considerações finais 
 

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático é uma condição clínica complexa, cuja compreensão exige uma análise cuidadosa da relação entre a experiência traumática e os diversos modos como o sofrimento pode se manifestar. O DSM-5 amplia essa compreensão ao destacar a heterogeneidade dos sintomas e ao reposicionar o TEPT em uma nova categoria diagnóstica, enfatizando sua especificidade clínica. O diagnóstico requer a presença de critérios bem definidos e a exclusão de outras condições com sintomas sobrepostos, o que torna essencial uma avaliação criteriosa. A identificação correta do TEPT, bem como de possíveis comorbidades e subtipos dissociativos, permite intervenções mais adequadas e eficazes, contribuindo para a redução do sofrimento e a promoção da saúde mental dos indivíduos afetados. 

Autoras

Tânia Fagundes Macedo 

Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra, Doutoranda e Representante Discente pelo Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (PROPSAM/IPUB/UFRJ). Terapeuta certificada pela FBTC. Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Terapia do Esquema e Terapia do Esquema para casais. Pesquisadora com foco em trauma e violência sexual contra mulheres. Vice-coordenadora da equipe de Psicologia do Laboratório Integrado de Pesquisa em Estresse (LINPES/UFRJ). Supervisora Clínica. Professora em cursos de Pós-Graduação em TCC e Terapia do Esquema. 

 

Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia/Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). 

 

Editora-chefe: Carmem Beatriz Neufeld. 

Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.