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Avaliação do TEA de acordo com o DSM-5-TR: critérios e comorbidades principais

Critérios diagnósticos e atualizações do TEA segundo o DSM-5-TR
 

Os primeiros registros clínicos sobre o autismo foram descritos por Leo Kanner na década de 1940, mas sua inclusão em manuais diagnósticos só ocorreu posteriormente no DSM-III. Desde então, o conceito passou por reformulações importantes. No DSM-IV-TR, o termo utilizado foi Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, que expandiu a categoria de autismo infantil para cinco diagnósticos distintos. Essa classificação refletia a tentativa de contemplar a diversidade de manifestações clínicas relacionadas ao autismo, ainda que de forma fragmentada em diferentes categorias (Paula et al., 2017). 

A evolução dos critérios diagnósticos do TEA culminou com a publicação do DSM-5 em 2014 e foi atualizada no DSM-5-TR de 2023, que mantém os dois domínios centrais do transtorno. Ainda, o transtorno autista, síndrome de Asperger ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação passaram a ser incluídas, na versão atual, sob a denominação de TEA.  

Os critérios atuais incluem dificuldades persistentes na comunicação social recíproca e nas interações sociais em múltiplos contextos (Critério A), bem como por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades atuais ou por história prévia (Critério B). Essas características se manifestam desde o período de desenvolvimento, porém, intervenções, estratégias de compensação e suporte atual podem atenuar a percepção das dificuldades. As manifestações do TEA apresentam grande variabilidade, dependendo da severidade do transtorno, do nível de desenvolvimento e da idade do indivíduo, justificando a utilização do termo “espectro”. 

Além disso, os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (Critério C), devem causar prejuízo clinicamente significativo no funcionamento do indivíduo (Critério D) e as perturbações não devem ser mais bem explicadas por transtorno do desenvolvimento intelectual ou por atraso global do desenvolvimento (Critério E). 

Também deve especificar a gravidade, sendo graduada no DSM-5-TR em três níveis: exigindo apoio muito substancial, exigindo apoio substancial e exigindo apoio (APA, 2023), em uma escala que busca refletir a intensidade do suporte necessário para o funcionamento cotidiano do indivíduo. Essa mudança destaca que a gravidade não é apenas um marcador do quadro clínico, mas também um indicativo prático das necessidades adaptativas e do grau de intervenção requerido em diferentes contextos, como escolar, familiar e social. 

As diferenças do DSM-5-TR de sua versão anterior, estão relacionadas a ajustes de clareza e organização. A principal alteração no Critério A foi a inclusão explícita da palavra “todos”, reforçando que os três subitens (déficits em reciprocidade socioemocional, em comunicação não verbal e em desenvolvimento/manutenção de relacionamentos) devem estar presentes, seja atualmente ou por histórico prévio. Além disso, o nível de gravidade passou a ser especificado ao final de todos os critérios diagnósticos, reconhecendo que a gravidade deve considerar tanto os déficits de interação social quanto os padrões restritos e repetitivos de comportamento. Houve também atualização terminológica no Critério E, substituindo a expressão “atraso global do desenvolvimento” por “deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual)”. Essas mudanças, embora sutis, visam tornar o texto mais didático, aumentar a precisão clínica e alinhar a terminologia às classificações atuais e reafirma os dois domínios centrais do TEA (APA, 2023). 

Avaliação clínica e comorbidades mais frequentes
 

A identificação precoce de sinais de alterações no desenvolvimento é essencial, pois permite iniciar intervenções imediatas e direcionadas. Quanto mais cedo o tratamento é instituído, maiores as chances de resultados positivos, considerando a elevada plasticidade cerebral e o papel central das experiências na formação de conexões neuronais e no desenvolvimento psicossocial da criança. Profissionais de saúde desempenham papel fundamental na detecção desses sinais, utilizando inventários de desenvolvimento e protocolos de alerta como instrumentos de triagem. Entretanto, é importante evitar diagnósticos precipitados, especialmente em crianças muito pequenas (Ministério da Saúde, 2014). 

Alguns comportamentos que merecem atenção incluem hipersensibilidade a sons cotidianos, fascínio por estímulos visuais como luzes piscantes ou objetos giratórios, insistência tátil em determinadas texturas e rigidez em rotinas e rituais, como dificuldade em aceitar mudanças na disposição de objetos, preferência por um único copo ou necessidade de sentar-se sempre no mesmo lugar (Ministério da Saúde, 2014). Esses comportamentos são relevantes para investigação profissional, devendo ser observados e relatados aos profissionais que acompanham o indivíduo.  

O diagnóstico do TEA é essencialmente clínico, uma vez que não existem biomarcadores conhecidos até o momento. Os critérios são identificados a partir do histórico de desenvolvimento e saúde (pré-natal, nascimento, primeiras etapas do desenvolvimento, histórico médico e familiar), entrevistas com pais ou cuidadores, observação direta da comunicação, interação social e comportamentos. Instrumentos padronizados podem complementar o julgamento clínico, realizado por médicos ou neuropsicólogos (Brian et al., 2019). 

As comorbidades são frequentes e podem dificultar o diagnóstico. Embora no DSM-IV existissem limitações para o diagnóstico simultâneo de TEA e TDAH, estudos recentes mostram que essas condições podem ocorrer concomitantemente em taxas significativas. Além das comorbidades neuropsiquiátricas, pessoas com TEA podem apresentar condições físicas associadas, como epilepsia, distúrbios do sono, alterações gastrointestinais, doenças autoimunes e deficiências sensoriais. Deficiências intelectuais são comuns, com estimativas de até 70% dos indivíduos apresentando algum grau de comprometimento cognitivo, frequentemente associado a síndromes genéticas (Matson & Goldin, 2013). 

A ansiedade como comorbidade, está presente em cerca de 40% dos indivíduos com TEA, intensificando desafios clínicos como limitações nas habilidades sociais, resistência a mudanças e comportamentos repetitivos, além de gerar maior sobrecarga emocional nos familiares (Zaboski & Storch, 2018). Outros transtornos de humor, como depressão maior (11%) e transtorno bipolar (5%), também são frequentes, podendo se manifestar de forma atípica e dificultar o diagnóstico diferencial (Khachadourian et al., 2023). 

Estudos recentes, como o da amostra SPARK, um dos maiores bancos de informações sobre o TEA dos EUA, evidenciam que crianças com TEA apresentam taxas mais altas de comorbidades em comparação a irmãos sem diagnóstico, com destaque para TDAH (35,3%), dificuldades de aprendizagem (23,5%) e deficiência intelectual (21,7%) (Khachadourian et al., 2023).  

Revisões como a de Barlattani et al. (2023) reforçam a diversidade de comorbidades, como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, presente em cerca de 9% dos casos, mas de difícil distinção clínica em função da sobreposição com os comportamentos repetitivos característicos do TEA. Da mesma forma, estereotipias motoras podem ser equivocadamente interpretadas como tiques ou Síndrome de Tourette (prevalência de 2,6% e 3,6% no TEA). Outro achado importante diz respeito aos distúrbios do sono, que afetam aproximadamente 13% dessa população e estão associados à intensificação de sintomas comportamentais e emocionais. 

Além disso, chame-se a atenção para a associação entre TEA e transtornos alimentares (prevalência de 1,4% a 7,9%). É fundamental diferenciar entre comportamentos alimentares restritivos típicos do TEA, motivados por rigidez ou seletividade sensorial, e padrões relacionados ao controle de peso, que caracterizam os transtornos alimentares. Outro ponto relevante são os transtornos de personalidade, sobretudo os dos grupos A e C, nos quais a rigidez, o perfeccionismo e o retraimento social aparecem como sintomas compartilhados (Barlattani et al. 2023). 

Assim, a sobreposição sintomatológica entre o TEA e outras condições reforça a importância de ferramentas diagnósticas adaptadas e de uma avaliação clínica cuidadosa. Reconhecer e tratar essas comorbidades é essencial para reduzir o impacto funcional e promover maior qualidade de vida para pessoas autistas e suas famílias. 

Considerações finais
 

O TEA apresenta uma evolução conceitual marcada por atualizações nos manuais diagnósticos, culminando no DSM-5-TR, que consolida seus dois domínios centrais. A caracterização clínica requer avaliação detalhada do histórico de desenvolvimento, observação direta e uso de instrumentos padronizados, sempre por profissionais capacitados. O quadro costuma estar associado a comorbidades, dificultando o diagnóstico e tornando essencial uma avaliação cuidadosa e o manejo individualizado para promover qualidade de vida. 

O diagnóstico deve ser visto como ponto de partida para intervenções éticas e individualizadas. O laudo clínico deve oferecer orientações práticas à família e à rede de apoio, respeitando limites éticos e evitando rotulações precoces. A escuta clínica permanece central, complementando os critérios do DSM-5-TR. Vale ressaltar que o diagnóstico deve ser realizado exclusivamente por profissionais de saúde, evitando o autodiagnóstico. A formação contínua em avaliação do neurodesenvolvimento fortalece a precisão diagnóstica e sustenta intervenções sensíveis e efetivas às necessidades de cada indivíduo. 

Autores:
Silva, A. B., Santos, E. F. L., & Neufeld, C. B. 

Ana Beatriz da Silva:
Psicóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto, mestre pela mesma instituição e atualmente doutoranda em Psicobiologia na USP – Ribeirão Preto. Atua na clínica com crianças, adolescentes e adultos, utilizando a abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Possui formação e experiência na área de avaliação neuropsicológica, com atuação nesse campo. 

Eloha Flória Lima Santos:
Psicóloga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC). Especialização em Psicologia da Saúde no Contexto Hospitalar com ênfase em Psicologia Pediátrica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP (HCFMRP-USP). Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e TCC para obesidade e emagrecimento. 

 

Carmem Beatriz Neufeld:
Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - FFCLRP da Universidade de São Paulo – USP e orientadora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Psicobiologia do DP-FFCLRP-USP. Livre docente pela FFCLRP-USP. Pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Formação em Terapia dos Esquemas pelo LaPICC-USP. Formação em Ensino e Supervisão pelo Beck Institute. Terapeuta Certificada em TCC pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas – FBTC. Psicóloga pela Universidade da Região da Campanha - URCAMP. Fundadora e coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Bolsista Produtividade do CNPq. Presidente Fundadora da Associação de Intervenções Psicossociais para Grupos - APSIG. Past-President da Federação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO. Representante do Brasil na Sociedade Interamericana de Psicologia - SIP. Ex-Presidente Fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências – AESBE. Ex-Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas - FBTC.