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Segurança psicológica no trabalho: guia para psicólogos desenvolverem e ofertarem programas de apoio

O que é segurança psicológica e por que ela importa nas organizações
 

A segurança psicológica no ambiente de trabalho pode ser definida como a crença de que se é possível assumir riscos interpessoais sem que isso gere medo de consequências negativas para a autoimagem, o
status
ou a carreira, tais como constrangimento, punição ou rejeição (Edmondson, 1999; Kahn, 1990). Em contextos psicologicamente seguros, as pessoas sentem-se à vontade para propor ideias, compartilhar informações, sugerir pontos de vista e experimentar formas inovadoras de conduzir tarefas e práticas de gestão (Wang & Ning, 2024). Essa atmosfera favorece abertura, aprendizado contínuo e, consequentemente, melhor desempenho e inovação. 

Outros benefícios relacionados a níveis elevados de segurança psicológica são: menores níveis de estresse, ansiedade e
burnout
;  maior capacidade de aprendizagem coletiva e resolução de problemas); engajamento em processos de aprendizagem e melhora da qualidade do trabalho; e liberdade para experimentar e propor mudanças, que sustenta e impulsiona a cultura de inovação (Edmondson, 1999; Edmondson & Lei, 2014; Nembhard & Edmondson, 2006; Wang & Ning, 2024; Zhan, Wu & Jie, 2025). 

A segurança psicológica pode ser considerada uma dimensão específica do clima organizacional, entendido como sendo as percepções compartilhadas entre os colaboradores sobre políticas, práticas, procedimentos e comportamentos valorizados na organização em que atuam (Schneider, Ehrhart & Macey, 2013).  

O papel do psicólogo na promoção da segurança psicológica
 

Psicólogos organizacionais têm papel estratégico no desenvolvimento de condições que favoreçam a segurança psicológica no trabalho, atuando como facilitadores de comunicação aberta, mediadores de conflitos e influenciadores de práticas de lideranças e organizacionais. O diagnóstico de riscos psicossociais requer a integração de métodos quantitativos e qualitativos. Escalas como a de Segurança Psicológica em Equipe (Ramalho & Porto, 2021), entrevistas e grupos focais ajudam a identificar áreas vulneráveis, além de compreender nuances contextuais e dinâmicas de poder que influenciam a segurança psicológica. Indicadores como absenteísmo, rotatividade e queixas internas também sinalizam riscos. 

As intervenções podem ser pontuais (
workshops
e palestras) ou programas estruturados, que abarcam diagnósticos, treinamentos e políticas organizacionais. Ações isoladas sensibilizam equipes para a importância da temática, mas mudanças sustentáveis só são possíveis por meio de programas contínuos para desenvolver competências interpessoais e práticas institucionais promotoras da expressão aberta e sem retaliações. 

Como estruturar um programa de apoio focado em segurança psicológica
 

Um programa eficaz deve ser consistente e sustentável. O processo passa por quatro etapas: 

  • Mapeamento:
    diagnóstico do nível de segurança psicológica e identificação de riscos psicossociais, com dados quantitativos (ex.: aplicação de escalas, indicadores organizacionais) e qualitativos (ex.: entrevistas, observações e grupos focais). 
  • Planejamento:
    definição de objetivos claros, metas mensuráveis e estratégias de intervenções adequadas ao contexto. 
  • Execução:
    implementação conjunta com lideranças, comunicação transparente e criação de espaços seguros de participação. 
  • Avaliação:
    mensuração de impacto por reaplicação de instrumentos, análise de indicadores internos e coleta de feedback (ex.: reaplicação de instrumentos e coleta de feedbacks). 

Neste cenário, quatro principais pilares sustentam o programa:

  1. escuta ativa, garantindo que os funcionários se sintam ouvidos e validados;
  2. canais de acolhimento, formais e informais, que permitam a expressão de preocupações sem medo de retaliação (como, por exemplo, comitês e canais de denúncia que sejam independentes e permitam registros anônimos, grupos de apoio e profissionais especialistas disponíveis para acolhimento etc.);
  3. educação emocional, para desenvolver habilidades socioemocionais como empatia, autorregulação e comunicação assertiva;
  4. gestão de conflitos, oferecendo estratégias construtivas para lidar com divergências, preservando relações e fortalecendo a cooperação. 

Estratégias de adesão e engajamento com as lideranças
 

O apoio das lideranças e das áreas de Recursos Humanos (RH) é crucial para que o programa tenha impacto real. A sensibilização começa ao demonstrar,  com base em evidências (Edmondson, 1999; Edmondson & Lei, 2014; Kahn, 1990; Nembhard & Edmondson, 2006; Wang & Ning, 2024; Zhan, Wu & Jie, 2025), que a segurança psicológica é um fator mensurável que afeta direta e indiretamente os resultados organizacionais, melhora a colaboração, reduz erros e estimula a inovação. Ainda, é útil promover reuniões estratégicas com gestores para conectar o tema a desafios concretos da empresa. Reuniões estratégicas com gestores ajudam a relacionar o tema a desafios concretos da empresa, como retenção de talentos ou melhora do clima interno. 

É importante também traduzir benefícios qualitativos em métricas objetivas e dados que associam a segurança psicológica a indicadores corporativos de desempenho, como, por exemplo, à redução do absenteísmo, queda da rotatividade e diminuição de conflitos interpessoais, correspondentes a retorno humano e financeiro. Pesquisas internas,
benchmarking
com outras empresas e relatórios de impacto podem contribuir neste processo. A comunicação deve equilibrar linguagem técnica e linguagem de negócios, conectando conceitos científicos a resultados práticos, sem abrir mão da ética. O objetivo é propor ambientes saudáveis e colaborativos, e não instrumentalizar a saúde mental apenas como recurso produtivo. Esse alinhamento entre discurso psicológico e estratégia organizacional poderá garantir a adesão das lideranças e RH, bem como a sustentação e financiamento contínuo do programa. 

Riscos e cuidados éticos na atuação com empresas
 

A atuação de psicólogos no contexto organizacional demanda atenção redobrada aos aspectos éticos, uma vez que estão em uma posição de interseção entre os interesses corporativos e o bem-estar individual dos funcionários. Manter o sigilo e confidencialidade em todas as etapas do trabalho é imprescindível para garantir que as informações compartilhadas em atendimentos, entrevistas ou grupos de apoio não sejam utilizadas de forma que prejudique os participantes. Explicitar qual o papel do psicólogo e a natureza do trabalho é igualmente crítico para que os limites dos vínculos estejam claros, evitando expectativas irreais ou confusões entre o suporte oferecido no ambiente de trabalho e a psicoterapia clínica no contexto pessoal, por exemplo. 

Outro cuidado essencial é evitar a “psicologização" de problemas estruturais, ou seja, tratar dificuldades decorrentes de sobrecarga, metas irreais ou falhas de gestão como se fossem apenas fragilidades individuais. Essa distorção responsabiliza injustamente os trabalhadores e perpetua falhas organizacionais. Os psicólogos devem manter uma visão sistêmica, reconhecendo que saúde mental depende também de condições objetivas de trabalho. Neste âmbito, a supervisão profissional e a atualização constante acerca das evidências científicas fortalece o respaldo técnico e assegura intervenções alinhadas aos princípios éticos e às necessidades organizacionais. 

Considerações finais
 

A segurança psicológica é uma construção contínua, que exige esforços consistentes da liderança e a consolidação de uma cultura de confiança. Não se trata de uma ação pontual, mas de um processo sustentado que fortalece a saúde mental, a cooperação e a inovação. 

Psicólogos bem preparados desempenham papel estratégico nesse percurso, atuando como mediadores entre necessidades humanas e metas organizacionais. Sua formação os habilita a diagnosticar riscos, propor intervenções e apoiar a implementação de programas que ampliam tanto o bem-estar quanto os resultados corporativos. 

Para sustentar esse trabalho de forma ética e eficaz, é indispensável investir em atualização constante sobre saúde mental do trabalho e práticas organizacionais baseadas em evidências. Assim, psicólogos poderão contribuir para ambientes mais saudáveis, inclusivos e produtivos, onde a segurança psicológica deixa de ser apenas um ideal e se torna parte da cultura organizacional.

Autores: Francisco Roberto Sanchez Cavalheiro, Eloha Flória Lima Santos e Carmem Beatriz Neufeld 

Francisco Roberto Sanchez Cavalheiro: Psicólogo, mestre e doutorando pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador colaborador no Laboratório de Psicologia Organizacional e do Trabalho (LabPOT-USP). Atua há mais de dez anos como psicólogo clínico e organizacional. 

Eloha Flória Lima Santos: Psicóloga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC). Especialização em Psicologia da Saúde no Contexto Hospitalar com ênfase em Psicologia Pediátrica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP (HCFMRP-USP). Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e TCC para obesidade e emagrecimento.