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IA na psicologia: limites éticos e possibilidades clínicas

O avanço da Inteligência Artificial (IA) na saúde mental éum fenômeno global, mas que assume delineamento específico no contextobrasileiro. Psicólogos e pesquisadores da área, têm diante de si um cenário de amplas possibilidades, mas também de desafios éticos e regulatórios que exigem reflexão crítica (LIPPI et al., 2024)

IA na psicologia: o que já é realidade

Atualmente a IA está presente em diversos contextos dentroda área de saúde mental, desde
Chatbots
terapêuticos, que utilizam princípios das terapias cognitivo-comportamentais (TCC) para oferecer suporte emocional e psicoeducação. Esses
Chatbots
têm o objetivo de auxiliar jovens e adultos no manejo de sintomas e demonstraram eficácia na redução dequadros leves de ansiedade e depressão (KARKOSZ et al., 2024; SINHA et al.,2024).

No contexto brasileiro, boa parte das publicações científicas iniciou durante o período pós-pandêmico e ainda está em estágio embrionário, mas apontam que ferramentas de IA têm potencial para auxiliar em lacunas no Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente tornando intervenções em saúde mental mais acessíveis. Várias intervenções com IA tem sido pensadas justamente para que o usuário consiga utilizá-la sem depender diretamente de um profissional e os estudos já apontam resultados positivos em sua eficácia, mas com limitações importantes (MODOLO, L.; CARVALHO, S.; DIAS, T, 2023)

Limites éticos no uso da IA na prática clínica

Apesar do avanço tecnológico, o uso da IA na psicologia clínica impõe desafios éticos importantes como: a confidencialidade dos dados coletados por ferramentas digitais, a garantia de autonomia do paciente e a responsabilidade ética pela condução do processo terapêutico (SAEIDNIA, H.R. 
et al, 2024).

O Conselho Federal de Psicologia (CFP), publicou em julho de 2025 uma nota de posicionamento sobre o uso de IA na prática clínica, com oobjetivo de alertar sobre as responsabilidades éticas do psicólogo.

Cabe ao profissionalavaliar criticamente a segurança, a adequação, os vieses algorítmicos, os limites e os riscos potenciais das ferramentas que utiliza, incluindo a exigência de que qualquer coleta, análise ou processamento de dados psicológicos com apoio de IA esteja sempre precedido de consentimento livre,informado, transparente e que o uso de dados e informações dos usuários estejamem conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Brasil, 2018). As psicólogas e os psicólogos devem zelar para que os sistemas utilizados não reproduzam ou ampliem preconceitos, desigualdades ou discriminações de qualquer natureza”.

Assim, o debate ético em torno da IA na psicologia clínica não se restringe a questões técnicas, mas envolve diretamente a proteção da integridade humana e a preservação dos princípios fundamentais da profissão de psicólogo. Reconhecer os riscos e estabelecer limites claros é condição indispensável para que a tecnologia possa ser integrada de forma responsável, garantindo que a inovação esteja sempre subordinada à ética e ao compromisso com o cuidado psicológico (SAEIDNIA, H.R. et al,
2024).

Potencial da IA como aliada da psicologia clínica

Por outro lado, a IA tem potencial para enriquecer a prática clínica quando usada como ferramenta de apoio, e não como substituta do profissional. Existem inteligências artificiais (IAs) que têm sido testadas no intuito de auxiliar na tomada de decisão ao transcrever e resumir as sessões,fornecendo
feedback
aos terapeutas sobre o uso de práticas baseadas em evidências e integrar esses dados com questionários padronizados de rotina preenchidos pelos pacientes. Em um estudo controlado randomizado, a terapia fornecida com o apoio da IA demonstrou resultados superiores para depressão e ansiedade, bem como índices de adesão de pacientes, em comparação com uma abordagem de tratamento usual (SADEH-SHARVIT
et al.
, 2023).

Quando a IA ultrapassa os limites: pontos de atenção

Embora as IAs tragam avanços significativos para a saúd emental, é essencial reconhecer que o entusiasmo com essas inovações não pode ignorar os riscos de seu uso inadequado. Há um limite tênue entre o uso complementar da IA como ferramenta clínica e sua substituição indevida da interação humana. Embora a IA ofereça pontos potenciais de suporte técnico, sua utilização excessiva pode enfraquecer aspectos centrais da prática clínica,como a escuta ativa e a sensibilidade diante do sofrimento subjetivo do paciente.(SAEIDNIA et al.,2024).

Pesquisas recentes indicam que interações frequentes com
chatbots
que reproduzem uma ideia de responsividade emocional, podem gerar um envolvimento emocional preocupante por parte dos usuários. Em determinados contextos de vulnerabilidade, esse vínculo tende a se intensificar, manifestando-se em formas de apego afetivo e até sinais de dependência emocional, o que levanta preocupações quanto aos riscos psicológicos emergentes dessas relações artificiais (CHU et al.,2025)

É importante destacar que as IAs aplicadas em contextos clínicos são, em geral, plataformas fechadas e especialmente desenvolvidas para fins terapêuticos, com algoritmo, protocolos de segurança e validaçãocientífica distintos dos chatbots abertos como o
ChatGPT
(OpenAI),
Gemini
(Google),
Meta AI
ou
Copilot
(Microsoft). Essas plataformas abertas não foram projetadas para uso clínico e carecem das garantias éticas e regulatórias exigidas na área da saúde mental. Um exemplo disto é a pesquisa deElyoseph e Levkovich (2023), que demonstrou que o
ChatGPT
, ao ser comparado com profissionais de saúde mental em uma avaliação de risco de suicídio em estudo de caso hipotético, classificou os riscos consistentemente em níveis mais baixos que os especialistas. Esse resultado evidencia que o uso de chatbots abertos pode gerar avaliações imprecisas e subestimadas, o que compromete a segurança clínica em contextos demaior vulnerabilidade.

A responsabilidade do profissional diante da inovação

Diante desse cenário, é essencial que o psicólogo contemporâneo desenvolva competências digitais, entendidas como a habilidade de utilizar com segurança, consciência e profundidade os recursos tecnológicos disponíveis. Isso significa que tanto os profissionais experientes quanto os que ainda estão em formação precisam se capacitar para atuar em intervenções on-line (NEUFELD; SZUPSZYNSKI, 2022)

Mais do que conhecer o funcionamento das terapias mediadas por internet, é necessário acompanhar as tendências em saúde mental digital e cyberpsicologia, além de manter um olhar crítico sobre os limites, asimplicações éticas e os efeitos das plataformas de IA na relação terapêutica. Atualmente, dominar essas competências já é reconhecido como parte fundamentaldo desenvolvimento profissional em psicologia, permitindo o uso responsável e eficaz da tecnologia na prática clínica (TOVSTUKHA; CHUMAK, 2024).

Considerações finais

A chegada da IA na saúde mental impõe à Psicologia clínica o desafio de integrar inovação tecnológica com ética e sensibilidade humana. A IA pode ser uma aliada poderosa na ampliação do acesso e no apoio ao cuidado, desde que utilizada com critério e consciência de seus limites. O papel do psicólogo permanece central: é ele quem garante que o uso dessas ferramentaspreserve a escuta clínica, o vínculo terapêutico e o cuidado ético. O futuro da prática psicológica exige profissionais tecnicamente preparados, mas sobretudo comprometidos com um olhar humano no centro do processo.

Autoras

 
Joyce Assis:
Psicóloga clínica há 16 anos, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela USP-SP. Atualmente é mestranda no Grupo de Psicologia, Saúde e Internet (GPPSI) da PUC-RS, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Karen P. Del Rio Szupszynski. Suas pesquisas concentram-se nos temas: Saúde Mental Digital, Cyberpsicologia e Intervenções Psicológicas Mediadas por Inteligência Artificial. 
Linkedin:
www.linkedin.com/in/joyceassis
 

 

Karen P. Del Rio Szupszynski:
Doutora em Psicologia pela PUCRS. Pós-doutora em Psicobiologia pela UNIFESP e em Psicologia pela PUCRS. Docente da graduação e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUCRS. Membro da Diretoria da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Membro da Diretoria da Federación Latinoamericana de Psicoterapias Cognitivas y Conductuales (ALAPCCO). Cursos no Beck Institute e Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Psicologia, Saúde e Internet (GPPSI). Coordenadora do PET Saúde Digital - transformação e inovação digital (PUCRS). Tutora da Liga Acadêmica de TCC da PUCRS. 

Eloha Flória Lima Santos:
Psicóloga pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC). Especialização em Psicologia da Saúde no Contexto Hospitalar com ênfase em Psicologia Pediátrica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP (HCFMRP-USP). Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e TCC para obesidade e emagrecimento. 

 

Carmem Beatriz Neufeld:
Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - FFCLRP da Universidade de São Paulo – USP e orientadora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Psicobiologia do DP-FFCLRP-USP. Livre docente pela FFCLRP-USP. Pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Formação em Terapia dos Esquemas pelo LaPICC-USP. Formação em Ensino e Supervisão pelo Beck Institute. Terapeuta Certificada em TCC pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas – FBTC. Psicóloga pela Universidade da Região da Campanha - URCAMP. Fundadora e coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Bolsista Produtividade do CNPq. Presidente Fundadora da Associação de Intervenções Psicossociais para Grupos - APSIG. Past-President da Federação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO. Representante do Brasil na Sociedade Interamericana de Psicologia - SIP. Ex-Presidente Fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências – AESBE. Ex-Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas - FBTC.