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Distorções cognitivas: conheças as principais e como identificá-las

A Terapia cognitiva (TC), frequentemente denominada de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), foi desenvolvida por Aaron T. Beck nas décadas de 1960 e 1970 ​(J. S. Beck, 2022)​. Ela pode ser compreendida como uma “uma abordagem psicoterapêutica ativa, focada no problema e sensível ao tempo, que se concentra na mudança cognitiva e de comportamento e aceitação” ​(Wenzel, 2021, p. xvi)​.  

Nos últimos 50 anos, a TCC tem sido considerada um dos mais importantes progressos no tratamento de diversas condições psicopatológicas, fundamentada por um extenso e consistente agrupamento de evidências da sua eficácia ​(Hofmann, 2021)​.  

O modelo cognitivo desenvolvido por Aaron T. Beck contribuiu significativamente para uma mudança de paradigma na abordagem da psicoterapia, de uma estrutura comportamental para uma estrutura cognitiva. Tal modelo pressupõe que a personalidade humana é moldada a partir da interação de fatores genéticos, epigenéticos, biológicos, temperamentais e do ambiente.  

Essa interação influencia o desenvolvimento e a manifestação de estratégias comportamentais destinadas a cumprir metas biológicas essenciais de sobrevivência e de reprodução, ou seja, de adaptação ​(A. T. Beck et al., 2017; J. S. Beck et al., 2016)​.  

Em busca do processo adaptativo, a personalidade é constituída por suborganizações internas específicas denominadas de
modos,
a fim de promover um ajuste entre as demandas externas provenientes de contextos específicos (p. ex., situações que envolvem oportunidades, desafios e obstáculos no ambiente, incluindo questões socioculturais) e as questões internas individuais (p. ex. desejos, necessidades e impulsos) ​(A. T. Beck et al., 2017, 2020)​.  

Para exercer o seu papel, o modo ao ser ativado incita a operação síncrona de estruturas cognitivas complexas relativamente duradouras, chamadas de
esquemas
, que integram os componentes modais de cognição, afeto, motivação e comportamento ​(A. T. Beck, 1996; A. T. Beck et al., 2017)​. 

Os esquemas são desenvolvidos durante os períodos iniciais de vida e, com o decorrer dos anos, podem se consolidar a partir das experiências individuais ​(A. T. Beck & Dozois, 2011)​. Além disso, eles possuem características específicas, como permeabilidade, acomodação, densidade, nível de carga emocional e amplitude ​(A. T. Beck & Haigh, 2014; Knapp, 2004; Knapp & Beck, 2008)​. 

Em geral, os modos por meio dos esquemas são responsáveis pelo percurso que tem como princípio a recepção de um estímulo ambiental (interno ou externo) e como o fim uma manifestação comportamental ​(A. T. Beck et al., 2017, 2020)​.  

De forma automática, em resposta aos estímulos sensoriais presentes em uma dada situação, a primeira função ativada no modo é a cognição. Este componente modal engloba a atribuição de significado, expectativas, memórias e crenças, iniciando o processamento das informações por meio de uma estrutura cognitiva fundamental denominada protoesquemas.

Estes protoesquemas monitoram, detectam e abstraem de forma eficiente os estímulos que podem ser relevantes para o indivíduo, tais como eventos que sinalizam ameaças, ganhos ou perdas pessoais. Entretanto, é crucial notar que essa etapa inicial de atribuição de significado está sujeita a possíveis erros de interpretação (A. T. Beck & Haigh, 2014). 

Essa rápida avaliação acerca do contexto diz respeito a um nível superficial de cognição denominado de pensamentos automáticos. Estes não são resultantes de deliberação ou raciocínio. Em sua grande maioria, não são percebidos de modo consciente, pois ocorrem de forma rápida, involuntária e automática ​(Knapp, 2004)​. Além disso, em decorrência dos significados atribuídos, os protoesquemas
podem ativar neste momento os componentes modais afeto e comportamento ​(A. T. Beck & Haigh, 2014)​, revelando o papel dos pensamentos nas respostas emocionais e comportamentais das pessoas, ou seja, a situação em si não define precisamente como os indivíduos se sentem e o que fazem ​(J. S. Beck, 2022).  

Consequentemente, em função dessa primeira etapa do processamento das informações ter uma alta probabilidade de ocorrência erros cognitivos,
vieses frequentes no nível dos pensamentos automáticos, comumente conhecidos como distorções cognitivas, foram identificados e classificados
​(Leahy, 2018)​.  

Confira quais são!

Lista de verificação de distorções cognitivas
 

  • Leitura mental:
    você imagina que sabe o que as pessoas pensam sem ter evidências suficientes dos seus pensamentos. Por exemplo: “Ele acha que eu sou um perdedor”. 
  • Adivinhação do futuro
    : você prevê o futuro – que as coisas vão piorar ou que há perigos pela frente. Por exemplo, “Vou ser reprovado no exame” ou “Não vou conseguir o emprego”. 
  • Catastrofização:
    você acredita que o que aconteceu ou vai acontecer é tão terrível e insuportável que não conseguirá aguentar. Por exemplo: “Seria terrível se eu fracassasse”. 
  • Rotulação:
    você atribui traços negativos globais a si mesmo e aos outros. Por exemplo: “Sou indesejável” ou “Ele é uma pessoa imprestável”. 
  • Desqualificação dos aspectos positivos
    : você alega que as realizações positivas, suas ou alheias, são triviais. Por exemplo: “Isso é o que se espera que as esposas façam – portanto, não conta quando ela é gentil comigo” ou “Esses sucessos foram fáceis, portanto, não têm importância”. 
  • Filtro negativo:
    você foca quase que exclusivamente nos aspectos negativos e raramente nota os positivos. Por exemplo: “Veja só todas as pessoas que não gostam de mim”. 
  • Supergeneralização:
    você percebe um padrão global de aspectos negativos com base em um único incidente. Por exemplo: “Isso geralmente acontece comigo. Parece que eu fracasso em muitas coisas”. 
  • Pensamento dicotômico
    : você vê eventos, ou pessoas, em termos de tudo-ou-nada. Por exemplo: “Sou rejeitado por todos” ou “Isso foi uma perda de tempo”. 
  • Afirmações do tipo “deveria”:
    você interpreta os eventos em termos de como as coisas deveriam ser, em vez de simplesmente se concentrar no que elas são. Por exemplo: “Eu deveria me sair bem. Caso contrário, sou um fracasso”. 
  • Personalização:
    você atribui a si mesmo uma culpa desproporcional por eventos negativos e não consegue ver que determinados eventos também são provocados por outros. Por exemplo: “Meu casamento acabou porque eu falhei”. 
  • Atribuição de culpa:
    você se concentra na outra pessoa como fonte de seus sentimentos negativos e se recusa a assumir a responsabilidade pela mudança. Por exemplo: “Ela é culpada por como estou me sentindo agora” ou “Meus pais são os causadores de todos os meus problemas”. 
  • Comparações injustas:
    você interpreta os eventos em termos de padrões irrealistas, comparando-se com outras pessoas que se saem melhor do que você, e então se considera inferior a elas. Por exemplo: “Ela é mais bem-sucedida do que eu” ou “Os outros se saíram melhor do que eu na prova”. 
  • Orientação para o remorso:
    você se concentra na ideia de que poderia ter se saído melhor no passado, em vez de no que pode fazer melhor agora. Por exemplo: “Eu poderia ter conseguido um emprego melhor se tivesse tentado” ou “Eu não deveria ter dito aquilo”. 
  • E se...?:
    você faz uma série de perguntas do tipo “e se” alguma coisa acontecer, e nunca fica satisfeito com as respostas. Por exemplo: “Sim, mas e se eu ficar ansioso?” ou “E se eu não conseguir respirar?”.
  • Raciocínio emocional:
    você deixa os sentimentos guiarem sua interpretação da realidade. Por exemplo: “Sinto-me deprimida; consequentemente, meu casamento não está dando certo”. 
  • Incapacidade de refutar:
    você rejeita qualquer evidência ou argumento que possa contradizer seus pensamentos negativos. Por exemplo, quando você pensa: “Não sou digna de amor”, rejeita como irrelevante qualquer evidência de que as pessoas gostam de você. Consequentemente, seu pensamento não pode ser refutado. Outro exemplo: “Esse não é o problema real. Há problemas mais profundos. Existem outros fatores”. 
  • Foco no julgamento:
    você avalia a si próprio, os outros e os eventos em termos de preto-ou-branco (bom-mau, superior-inferior), em vez de simplesmente descrever, aceitar ou compreender. Você está continuamente se avaliando e avaliando os outros segundo padrões arbitrários e achando que você e os outros deixam a desejar. Você está focado no julgamento dos outros e de si mesmo. Por exemplo: “Não tive um bom desempenho na faculdade” ou “Se eu for aprender tênis, não vou me sair bem” ou “Olhe como ela tem sucesso. Eu não tenho sucesso”. 

Fonte: Retirado de (Leahy, 2018) 

Como identificar as distorções cognitivas nos clientes?
 

Para identificar os erros cognitivos, que revelam um viés negativo no processamento cognitivo e que podem estar associados aos quadros clínicos dos clientes, os terapeutas podem seguir as orientações em duas etapas que são descritas pela ​J. S. Beck (2022)​. 

1. Identificando pensamentos automáticos
.
 

Uma forma simples é quando o cliente narra uma situação problemática ou uma reação emocional, comportamental ou fisiológica significativa que ele teve de modo frequente na semana anterior à sessão ou que acredita que terá em breve. Nesse momento, o terapeuta pode questionar seu cliente com as seguintes frases: “O que estava/estará passando pela sua mente” ou “O que você estava/estará pensando?”. Além disso, o clínico pode fazer as mesmas perguntas para quando seu cliente expressar uma emoção desagradável ou manifestar um comportamento disfuncional na própria sessão. 

2.
Rotulagem das distorções cognitivas

É indicado que os terapeutas realizem anotações de diversos pensamentos automáticos. Solicitar para que os clientes realizem um Registro de Pensamentos Disfuncionais também será útil para ter um quantitativo significativo de pensamentos automáticos. A finalidade é que, a partir da análise de tais cognições, se identifique padrões para que possam ser associados com as categorias mencionadas na tabela anterior. Ressalta-se que as categoriais se sobrepõem e que é possível que alguns pensamentos automáticos contenham mais de uma distorção. 

Sabe-se que identificar e rotular as distorções cognitivas pode contribuir para que os clientes tenham um maior distanciamento dos seus pensamentos e para maior discernimento de como seus pensamentos podem ser distorcidos. Desse modo, pode ser mais fácil implementar estratégias para reestruturar os pensamentos identificados com maior facilidade.  

Ademais, é importante destacar que muitas das distorções cognitivas podem ser esperadas na ausência de transtornos mentais e que os terapeutas devem ter cuidado para não patologizar determinados padrões de pensamentos, pois alguns deles podem ser esperados de acordo com o contexto sociocultural que os clientes estão inseridos, por exemplo ​(Fernandez et al., 2021)​.  

Outra estratégia para identificar os erros cognitivos, com o propósito de auxiliar os clientes na tarefa rotineira de perceber suas distorções cognitivas e relacioná-las com reações emocionais e comportamentais, é o Questionário de Distorções Cognitivas (CD-Quest) ​(de Oliveira et al., 2015)​.  

O instrumento pode possibilitar aos terapeutas uma medida quantitativa para o acompanhamento clínico, avaliando a evolução dos clientes. Especificamente, o CD-Quest é composto por 15 itens que avaliam a frequência semanal das distorções e a intensidade da convicção que o respondente tem sobre elas.  

Cada item corresponde a uma categoria de distorção cognitiva que é no próprio questionário explicada e exemplificada. Portanto, o cliente relata a frequência do tipo de distorção no período de uma semana e o quanto acreditou nela. Para maiores informações acerca do CD-Quest, os terapeutas podem acessar: ​Carvalho (2014) e de Oliveira et al. (2015)​. Há também uma versão para adolescentes ​(Luísa et al., 2023)​. 

Como citar: Anjos Filho, N. C. dos & Neufeld, C. B. (2023, 21 dez.). Distorções cognitivas: conheças as principais e como identificá-las. Blog do Secad. [https://blog.artmed.com.br/] 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).