O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed
  • Home
  • Conteúdos
  • Fisioterapia para dor lombar aguda: condutas imediatas no consultório

Fisioterapia para dor lombar aguda: condutas imediatas no consultório

A dor lombar (DL) constitui uma das condições musculoesqueléticas mais prevalentes em todo o mundo, representando um desafio significativo tanto para a saúde pública quanto para a prática clínica diária. Estudos epidemiológicos apontam que aproximadamente 80% dos indivíduos experimentarão pelo menos um episódio de DL ao longo da vida, sendo uma das principais causas de anos vividos com incapacidade. O impacto econômico é substancial, englobando custos diretos com tratamentos e custos indiretos relacionados ao absenteísmo e à redução da produtividade.

Para um manejo adequado, é fundamental diferenciar a dor lombar aguda da dor lombar crônica. A DL aguda é definida como um episódio de dor com duração inferior a 6 semanas, sendo na maioria dos casos inespecífica, ou seja, sem uma causa patológica grave identificável. A fisiopatologia está frequentemente relacionada a disfunções musculoesqueléticas, como distensões ligamentares, contraturas musculares ou alterações articulares facetarias e sacroilíacas. É uma condição autolimitada na maioria dos pacientes, mas com alto risco de recorrência.

Já a DL crônica persiste por mais de 12 semanas e é considerada uma síndrome complexa e multifatorial, na quais fatores biopsicossociais (como catastrofização, medo do movimento, depressão e contextos laborais adversos) desempenham um papel tão ou mais importante que os fatores puramente biomecânicos. O objetivo principal no tratamento da DL aguda é resolver o episódio atual, controlar a dor, restaurar a função e, sobretudo, impedir a sua cronificação.

Avaliação Inicial do Paciente com Dor Lombar Aguda

Uma avaliação minuciosa e sistemática é a base para um diagnóstico correto e um plano de tratamento eficaz e a anamnese direcionada deverá investigar sinais de alerta ("Red Flags"). São informações que deverão ser consideradas como as características da dor: localização, irradiação (ciática), intensidade (uso de escalas como a EVA), qualidade (queimação, pontada), fatores de agravo e alívio; histórico do episódio: mecanismo de lesão (traumático x insidioso), tempo de início e evolução; histórico prévio: episódios anteriores de DL e tratamentos realizados.

A busca ativa por
"Red Flags"
(sinais de alerta) é imperativa para descartar condições graves que exigem intervenção médica imediata. Estes incluem:

  1. Síndrome da Cauda Equina:
    Perda sensitiva em "sela" (região períneal e glútea), retenção ou incontinência urinária recente, anestesia em "sela", fraqueza muscular nos membros inferiores. São casos que intervenção cirúrgica será necessária.
  2. Fratura Vertebral:
    Histórico de trauma significativo (em jovens) ou trauma de baixa energia (em idosos, osteoporóticos), uso crônico de corticosteroides.
  3. Infecção (Espondilodiscite):
    Febre, calafrios, história de imunossupressão ou infecção recente. Dor que piora à noite e não alivia com o repouso.
  4. Neoplasia Maligna:
    História prévia de câncer, perda de peso não intencional, dor noturna intensa e progressiva.

O exame físico deve ser funcional e orientado para a hipótese diagnóstica, como: Inspeção e Palpação: Observação de postura antálgica, edema ou assimetrias. Palpação para identificar pontos de dor miofascial, espasmos musculares e pontos gatilho. Amplitude de Movimento (ADM): Avaliação qualitativa e quantitativa da flexão, extensão, inclinações laterais e rotação do tronco. Exame Neurológico: Teste de força muscular (ex.: dorsiflexão do tornozelo para L5), sensibilidade (dermatomos) e reflexos (patelar L4, aquileu S1). O teste de elevação do membro inferior reto (Lasègue) é utilizado para avaliar a irritabilidade da raiz nervosa, principalmente L5 e S1. Testes Específicos: Testes para disfunção da articulação sacroilíaca (ex.: FABER, Gaenslen) e da articulação facetaria (ex.: extensão com rotação). Avaliação Funcional: Observar como o paciente se levanta de uma cadeira, anda, sobe degraus ou simula atividades laborais. Escalas como o Questionário de Incapacidade Roland-Morris podem ser úteis para quantificar o impacto na função.

Condutas Imediatas no Consultório

A abordagem inicial no manejo da DL aguda é o controle da dor e a restauração da função, sempre dentro de uma abordagem ativa. Poderão ser usadas algumas das técnicas abaixo: Técnicas Manuais: As técnicas manuais são coadjuvantes valiosos para modular a dor e melhorar a mobilidade. Evidências suportam seu uso, principalmente quando combinadas ao exercício.

  • Mobilizações Articulares:
    Técnicas de baixa amplitude e alta velocidade (
    thrust
    ) ou de graus variados (Maitland) nas articulações facetárias e sacroilíacas podem reduzir a dor e normalizar o movimento articular.
  • Manipulação de Tecidos Moles:
    Massagem terapêutica, liberação miofascial e técnicas de inibição de pontos gatilho para aliviar espasmos e tensão muscular, melhorando a circulação local.
  • Técnicas Neurodinâmicas:
    Mobilização suave do sistema nervoso periférico (ex.: deslizamento do nervo ciático) para restaurar a neurodinâmica comprometida.

Para o restabelecimento da função e das atividades, atualmente o repouso absoluto é contraindicado. A movimentação precoce e segura é fundamental. Algumas estratégias poderão ser utilizadas no período agudo da dor. Exercícios de "Liberação" ou "Escorregamento" Neural que são mvimentos lentos e controlados, como o deslizamento do nervo ciático em posição supina, para modular a dor neuropática, a ativação muscular profunda que são exercícios suaves de ativação do músculo transverso do abdômen e multífido, em posições descarregadas (decúbito), para promover estabilização segmentar e; mobilizações em carga tolerável como a marcha estacionária, balanços pélvicos suaves em decúbito dorsal e posturas de alívio (ex.: posição de McKenzie de extensão, se centralizar a dor).

Da mesma forma, a educação ergonômica é uma ferramenta poderosa, ensinar a levantar objetos usando a força das pernas, mantendo a coluna ereta; evitar rotações de tronco com carga como um treinamento mecânico da postura, recomendar alternância entre sentar, ficar em pé e deambular; evitar permanecer em uma única posição por longos períodos contribuindo para o alívio da dor e a realização de atividades dentro do limiar de dor, fazendo pausas e evitando movimentos que exacerbem os sintomas.

Recursos Complementares

Embora o exercício e a educação sejam a base, outros recursos podem ser integrados ao plano de tratamento. A Crioterapia (gelo) é indicada na fase aguda (primeiras 48-72 horas) ou após atividades para controle de inflamação e analgesia. Aplicação por 15-20 minutos sobre a área de maior dor. O TENS (Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea) é amplamente utilizado para analgesia, atuando pelo mecanismo do "comportas da dor". Correntes excitomotoras de baixa frequência podem ser usadas para reduzir espasmos musculares. A aplicação de calor superficial (infravermelho, bolsas quentes) pode ser benéfica antes das técnicas manuais ou exercícios para relaxar a musculatura, mas seu uso isolado tem evidências limitadas.

O uso de bandagens funcionais (Kinesio Taping) pode ser utilizado para facilitar ou inibir a musculatura, proporcionar suporte proprioceptivo e auxiliar no controle de edema. A evidência é controversa, mas seu efeito neuromodulatório pode trazer benefícios subjetivos de alívio da dor e melhora da confiança para o movimento. Da mesma forma, o uso de cintas ou suportes lombares deve ser restrito e temporário. Podem ser úteis em casos de dor muito intensa para permitir a transição para atividades iniciais, fornecendo suporte externo e feedback proprioceptivo. No entanto, o uso prolongado pode levar ao descondicionamento da musculatura estabilizadora profunda, devendo ser sempre associado a um programa de fortalecimento.

Prevenção de Recorrência e Evolução do Tratamento

O rápido manejo da dor aguda é apenas a primeira etapa. A prevenção de recorrências e a transição para um estado de resiliência lombar é o objetivo de longo prazo. A educação em saúde e autocuidado é, possivelmente, a intervenção mais crucial. O paciente deve ser empoderado como agente ativo de sua própria saúde. Explicar de forma simplificada os mecanismos da dor, desmistificando a ideia de que "dor sempre significa dano tecidual". Isso reduz o medo e a catastrofização e isso é chamado de “Neuroeducação em Dor. Ensinar ao paciente técnicas de alongamento, automobilização e exercícios de estabilização que ele possa realizar em casa é dar suporte para a autogestão da dor.  Ainda, orientar o paciente sobre como agir em caso de novo episódio de dor (ex.: manter-se ativo dentro do limite tolerável, aplicar gelo, retomar os exercícios básicos). A alta do tratamento não deve coincidir com o fim da dor, mas sim com a aquisição de ferramentas para manter e progredir os ganhos. O programa de exercícios deve evoluir de movimentos básicos para um treinamento mais desafiador, incluindo fortalecimento do “core”, treino de equilíbrio e exercícios funcionais específicos para as demandas do paciente (esportes, trabalho). Estimular a manutenção de um estilo de vida ativo. Consultas de acompanhamento periódicas podem ser agendadas para ajustar o programa de exercícios e reforçar as orientações, prevenindo o retorno aos hábitos posturais inadequados.