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Cuidados de enfermagem com pacientes críticos em UTI: estratégias para controle da dor

O desafio da dor em pacientes críticos na UTI

Nos pacientes críticos internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a dor assume contornos multifatoriais e complexos. Diferentemente dos pacientes ambulatoriais ou hospitalizados em unidades regulares, o indivíduo em estado crítico pode estar submetido a ventilação mecânica, sedação, múltiplos cateterismos, procedimentos invasivos, imobilização prolongada, dentre outros fatores. Esse cenário favorece tanto a dor aguda (procedimentos, sondagens, mudanças de decúbito) quanto a dor persistente, relacionada à doença de base, invasões terapêuticas e complicações. 

A dor nos pacientes graves pode estar mascarada: muitos estão sedados, com comunicação comprometida, com Delirium ou sob uso de drogas vasoativas, de modo que a avaliação se torna ainda mais desafiadora. 

Além disso, a resposta fisiológica à dor ativa (hipervigilância simpática, taquicardia, hipertensão, aumento do débito cardíaco, hiperglicemia e catabolismo proteico) pode exacerbar o quadro crítico, aumentando o risco de instabilidade hemodinâmica e complicações. 

Quando a dor não é adequadamente identificada ou tratada em pacientes críticos, diversos efeitos adversos podem ocorrer. Dentre eles: ativação do sistema nervoso simpático com aumento do consumo de oxigênio, risco de isquemia miocárdica; retenção de secreções respiratórias, aumento do trabalho respiratório, falha na adaptação à ventilação mecânica; mobilização prejudicada, favorecendo tromboembolismo, atrofia muscular, maior risco de infecção; além de repercussões psicológicas como ansiedade, estresse pós-UTI e pior qualidade de vida após alta. 

Em termos organizacionais, dor mal controlada pode prolongar o tempo de ventilação, aumentar a permanência na UTI e no hospital, elevar custos e impactar negativamente a recuperação global do paciente. 

Além do impacto clínico e operacional, há o sofrimento humano: dor é uma das memórias mais negativas relatadas por pacientes após a UTI, reforçando a importância de abordá-la como prioridade. 

Nesse sentido, o enfermeiro desempenha papel central no cuidado de pacientes críticos, sobretudo no que tange à identificação e manejo da dor. Como profissional que realiza monitoramento contínuo, contato direto com o paciente, observação de sinais físicos, garantia de conforto e também comunicação com a equipe multiprofissional, a enfermagem está numa posição privilegiada para detectar cedo a dor, implementar intervenções e acompanhar sua evolução. 

A avaliação precoce da dor pelo enfermeiro permite intervenções oportunas (analgesia antes de procedimentos, ajustes de posicionamento, ambientação) e evita a cronificação ou agravamento do quadro. A enfermagem deve não apenas aplicar a avaliação da dor, como também liderar a integração dessa prática ao cuidado global do paciente crítico, assegurando que a dor seja monitorada como parte integrante dos cuidados vitais. 

Avaliação da dor em pacientes críticos

Para pacientes conscientes e comunicativos, a escala visual análoga (EVA) continua sendo uma ferramenta útil e simples: o paciente indica seu nível de dor em uma escala de 0 a 10. Entretanto, muitos pacientes da UTI estão sedados, intubados ou incapazes de se comunicar, exigindo instrumentos observacionais. 

Dentre esses, destacam-se a Behavioral Pain Scale (BPS) e a Critical Care Pain Observation Tool (CPOT). A CPOT foi particularmente validada para pacientes não verbais, com avaliação baseada em expressões faciais, tensão muscular, compliance com ventilador (ou movimentos corporais se sem ventilação) e vocalização ou respiração para pacientes não intubados. Ainda, outras escalas como a FLACC (Face, Legs, Activity, Cry, Consolability) podem ser usadas em contextos pediátricos ou adaptados, mas para adultos críticos a CPOT e BPS são mais bem documentadas. 

Como estratégias complementares, recomenda-se: 

  • Uso de escalas observacionais validadas de forma sistemática. 
  • Avaliação antes de procedimentos (mobilização, aspiração traqueal, mudança de decúbito) e analgesia prévia. 
  • Monitoramento de sinais comportamentais (por exemplo, choro, resistência ao ventilador, agitação súbita) e fisiológicos (taquicardia, hipertensão, sudorese) como indicativos indiretos, embora reconhecendo baixa especificidade. 
  • Registros estruturados no prontuário e comunicação eficaz entre equipe para garantir continuidade, comparabilidade e vigilância de variáveis no tempo. 

A prática eficaz de avaliação de dor exige que os resultados sejam documentados sistematicamente, idealmente com registro de escala, horário, intervenções realizadas, resposta à analgesia e próximos cuidados planejados. 

Além disso, a comunicação entre equipe de enfermagem, médicos e fisioterapeutas é essencial para garantir que a dor seja considerada no planejamento de mobilização, retirada de sedação, ajuste de ventilador, entre outros. Portanto, o enfermeiro deve atuar como elo central nessa comunicação, relatando alterações de escala de dor, propondo intervenções e verificando os efeitos delas no paciente. 

Estratégias farmacológicas no controle da dor

Dentro da UTI, a analgesia requer abordagem multimodal, considerando diferentes classes de medicamentos para atingir alívio eficaz com menores efeitos adversos. Os opioides continuam sendo o pilar em muitos cenários, especialmente em pacientes ventilados ou em pós-operatório de grande porte. 

No entanto, o uso exclusivo de opioides está associado a efeitos adversos como depressão respiratória, retenção de secreções, delírio, náuseas, constipação intestinal, tolerância e dependência. Assim, inclui-se no protocolo: 

  • Analgésicos não opioides:
    paracetamol (acetaminofeno), anti-inflamatórios não esteroidais (quando não contraindicados), que podem reduzir a dose de opioides. 
  • Adjuvantes: 
    gabapentinoides, analgésicos locais, ketamina em dose analgésica, entre outros, como parte da analgesia multimodal. 
  • Consideração de analgesia procedural:
    antes de mobilização, aspiração ou sondagens, com dose prévia ou infusão contínua se necessário. 

Protocolos institucionais e monitoramento de efeitos adversos 

A implementação de protocolos institucionais de analgesia em UTI melhora a consistência do cuidado. Neste ambiente de cuidado, existe a necessidade de avaliação regular da dor, implementação de analgesia antes da sedação e uso preferencial de estratégias escalonadas. 

No âmbito da enfermagem, isso significa monitorar não só a eficácia da analgesia (alívio da dor, melhora da escala de dor), mas também efeitos adversos: sedação excessiva, depressão respiratória, hipotensão, delírio, retenção intestinal, tolerância aos opioides. Por exemplo, protocolos que colocam o enfermeiro como agente de titulação (sob prescrição médica) e vigilância de efeitos, promovem melhor segurança. 

Portanto, o enfermeiro na UTI tem responsabilidade central no acompanhamento da analgesia: verificar escala de dor, documentar intervenções, observar comportamentos ou sinais de dor, relatar à equipe médica quando ajustes são necessários ou efeitos adversos. Além disso, em unidades com autonomia de enfermagem, o enfermeiro participa da titulação incremental de analgesia ou de protocolos de PRN (medicação conforme indicação). 

A vigilância contínua inclui: monitorar resposta à analgesia, verificar mudanças de ventilação ou hemodinâmica que possam sugerir dor, observar interações com sedativos, registrar efeitos adversos, e garantir transição segura para unidades de menor acuidade ou alta. A educação continuada em analgesia e sedação para enfermagem fortalece essa atuação. 

Intervenções não farmacológicas pela enfermagem

Além da farmacologia, intervenções de enfermagem são fundamentais no alívio da dor em pacientes críticos. O posicionamento cuidadoso, mudança de decúbito regular, apoio com almofadas, elevação de membros, prevenção de úlceras de pressão, uso de colchão especial, redução da tensão muscular e dor cartesiana são práticas que reduzem a carga dolorosa. A mobilização precoce, ainda que parcial, contribui para melhora da circulação, diminuição de rigidez, redução de dor muscular e articular, e favorece a recuperação. 

Embora mobilização total possa não ser viável em alguns pacientes, cuidados com conforto físico (por exemplo, proteção das linhas e cateteres, minimização de tração ou tensão, almofadas de apoio, evitando ângulos desconfortáveis) são parte integrante do manejo.  

O ambiente da UTI também pode contribuir para aumento da percepção de dor por meio de estímulos estressores: barulho, luzes fortes, interrupções frequentes para cuidados, alarmes constantes, isolamento ou restrição de comunicação com familiares. A enfermagem pode intervir, reduzindo estímulos — ajustando luzes, minimizando ruídos, agrupando cuidados para permitir períodos de repouso, garantindo uso de protetores auriculares ou tampões auditivos, comunicando procedimentos de forma clara e oferecendo conforto ambiental. Essa abordagem favorece o bem-estar, reduz ansiedade e, indiretamente, a percepção de dor. 

A humanização do cuidado também se revela como estratégia não farmacológica para o controle da dor. A presença e a escuta ativa do enfermeiro, a oferta de toque terapêutico (quando viável e respeitado pelo paciente), a comunicação cuidadosa e a inclusão da família no cuidado podem reduzir o sofrimento percebido e a sensação de vulnerabilidade do paciente crítico. Mesmo em pacientes sedados, a movimentação cuidadosa, a explicação do que será feito, o uso de estímulos de conforto (música suave, voz da família, aplicação de calor ou frio local se permitido) podem modular a resposta à dor. 

Protocolos de enfermagem e segurança do paciente
 

Para garantir que o controle da dor seja efetivo e contínuo, torna-se necessário que as práticas de enfermagem estejam integradas aos protocolos institucionais e rotinas assistenciais da UTI. Isso implica: definir horários de avaliação de dor no plano de cuidados, incluir escala de dor nos sinais vitais (considerando-a como “quinto sinal vital”), criar ordens de analgesia PRN automaticamente acionáveis antes de procedimentos, e articular com a equipe de fisioterapia, médico intensivista, farmácia e nutrição. 

O enfermeiro, neste contexto, torna-se agente de implementação e monitoramento desses protocolos, atuando como guardião da segurança do paciente — identificando desvios, sugerindo melhorias e garantindo registro adequado. 

Para que os cuidados com a dor não fiquem apenas no campo intencional, é necessário definir indicadores de qualidade e realizar monitoramento. Exemplos de indicadores incluem: percentual de pacientes com dor avaliada a cada turno, percentual de pacientes com escore de dor ≤ 2 ou dentro da meta definida, tempo médio de resposta à analgesia, número de eventos adversos relacionados à analgesia (por exemplo, sedação excessiva, delírio), tempo de ventilação mecânica e permanência na UTI relacionados à dor. 

A enfermagem deve participar da coleta de dados desses indicadores, da análise e do planejamento de melhorias. Isso reflete a segurança do paciente, pois dor não tratada pode ser considerada evento-adverso latente. A implementação de sistemas de registro eletrônico com indicadores de dor facilita esse monitoramento. 

Considerações finais

A enfermagem assume papel de destaque no cuidado integral ao paciente crítico, sendo central na identificação precoce, avaliação com instrumentos validados, intervenção farmacológica e não farmacológica e monitoramento contínuo da dor em UTI. A dor deve ser considerada como o “quinto sinal vital”, ou seja, ser avaliada rotineiramente junto com pulso, frequência respiratória, pressão arterial e saturação de oxigênio. 

Compreender a dor em pacientes críticos exige conhecimento especializado, uso de escalas adaptadas, articulação multiprofissional e protocolos bem definidos. O enfermeiro que avalia a dor, implementa intervenções e promove a humanização do cuidado contribuindo não apenas para o conforto imediato, mas para a recuperação mais rápida, redução da permanência na UTI, menor incidência de complicações e melhor experiência do paciente e da família. Ou seja, dor em UTI não é um detalhe secundário – é componente central do cuidado intensivo. E o enfermeiro está na linha de frente para garantir que este aspecto seja percebido, monitorado e tratado com a atenção que merece. 

Perguntas Frequentes